RUA DO GAMBOA
Uma rua em Macau com estranha denominação em chinês
A Rua do Gamboa é designada, em chinês, pelo estranho nome “Yé Mó Kai”. Se alguém perguntar a um chinês ou a um residente daquela rua, qual o significado de “Yé Mó”, a resposta é, de imediato, “não sei”.
Texto, fotos e suas legendas por Manuel V. Basílio (Macau)
A Rua do Gamboa é uma via pública muito antiga de Macau, pois já constava da relação elaborada, pela primeira vez, por uma Comissão nomeada pelo governador António Sérgio de Sousa, em 12 de Março de 1869, destinada a “determinar e fixar de um modo definitivo os nomes de todas as vias públicas da cidade”. Na dita relação constavam também a Calçada, Travessa e Beco do Gamboa. Existem, portanto, 4 vias com o topónimo Gamboa, para homenagear António José de Gamboa, nascido em Lisboa, donde veio para Macau por volta de 1775 e aqui se dedicou ao comércio, tendo feito uma fortuna sobretudo com o ilegal mas tolerado comércio do ópio, tornando-se, deste modo, um grande capitalista e proprietário de navios. Além de negociante, desempenhou funções públicas, designadamente o cargo de Procurador do Senado entre 1793 e 1795.
Um troço da Rua do Gamboa. Ao fundo, onde se vê um edifício, com passagem por um túnel em arco, era, outrora, um “ponto de controlo”, com guardas que vedavam a entrada de indivíduos estranhos, vadios e suspeitos. Foto MV Basílio
Até meados do século XIX, antes das obras que se realizaram por volta de 1870, numa zona onde veio a ser construído, ao longo de uma nova via, um bairro tipicamente chinês, a que se deu o nome de Rua da Felicidade e, portanto, muito antes da abertura da Avenida de Almeida Ribeiro, a Rua do Gamboa era a principal e a mais importante via de comunicação entre o Porto Interior e o coração da cidade, por isso era então também conhecida por Rua Direita do Gamboa. A Rua do Gamboa começa na Rua da Alfândega, em frente da Calçada do Gamboa, e termina na Rua das Lorchas.
No sítio onde estão a caminhar várias pessoas, é a Rua da Alfândega, que intersecta com a Rua do Gamboa (rampa anterior) e a Calçada do Gamboa (rampa posterior). Foto MV Basílio
A RUA DO GAMBOA NO PASSADO
A partir de meados do século XIX, foram feitos progressivamente diversos aterros ao longo da linha da costa em direcção a oeste da península, ou seja, para os lados do Porto Interior. Naquela altura, quem desembarcava num dos cais ali localizados e desejando dirigir-se ao centro da cidade, a forma mais conveniente e rápida para um viajante era entrar pela Rua do Gamboa e ir até ao cimo onde começa esta rua, e dali, contornando pelo lado esquerdo e descendo pela Rua da Alfândega, chega-se então ao Largo do Senado. Era, decerto, um trajecto bastante movimentado, talvez até com algum congestionamento em horas de ponta, apesar de as referidas artérias serem consideradas largas para a época. Por ali circulavam carregadores ou cules (1), que transportavam as bagagens de viajantes, geralmente com uma pinga (2), até ao local designado, pois naquela altura nem toda a gente dispunha de uma cadeirinha ou liteira chinesa, apesar de este meio de transporte ser o mais antigo, utilizado sobretudo por comerciantes ricos e entidades oficiais.
Além de cadeirinhas, circulavam também pela cidade carruagens puxadas a cavalo, para uso privado. No entanto, em meados do século XIX, começaram a utilizar esses dois tipos de meios de transporte para prestar serviços ao público, de forma que o Leal Senado teve que regulamentar a respectiva utilização, cujas disposições ficaram incluídas no Código de Posturas, datado de 21 de Novembro de 1871 (3), no qual se estabeleceu também a respectiva tabela de preços de aluguer.
Só mais tarde, em princípios do anos 80 do século XIX, é que foram introduzidos em Macau um outro meio de transporte, conhecido por jerinxá ou riquexó (4), que rapidamente passou a ser um meio popular de transporte, durante muitas décadas, até ser gradualmente substituído por triciclos, a partir de meados do século seguinte (5).
Relativamente ao uso de carruagens como meio de transporte naqueles tempos, é interessante verificar que ainda existe, próximo do fim da Rua do Gamboa, uma via denominada Travessa dos Trens (6) e que o topónimo, em chinês, é “Má Ché Hóng” 馬車巷 ( “Ma Ché” 馬車 , carruagem ou trem puxado a cavalo e, “Hong” 巷, Travessa), o que evidencia ter existido naquele local uma estação de carruagens de aluguer, puxadas a cavalo, para transporte de passageiros.
Placa toponímica da Travessa dos Trens, em chinês, “Má Ché Hóng” 馬車巷 ( “Ma Ché” 馬車 , carruagem ou trem puxado a cavalo e, “Hong” 巷, Travessa), sendo esta via também conhecida por “Yé Mó Ch’in Kái” 夜呣前街 (Rua de Frente de “Yé Mó”) e “Má Hóng” 馬巷 (Travessa de Cavalos). Foto MV Basílio
QUEM ERAM OS CULES?
Originalmente, as cadeirinhas e as carruagens eram usadas sobretudo pela elite e, antes de passarem a ser meios de transporte públicos, a população em geral contratava cules para executarem trabalhos que exigiam grande esforço, incluindo o transporte de bagagens, mercadorias ou materiais, de um local para o outro. Para ganharem algum dinheiro necessário ao seu sustento, havia cules que passavam horas seguidas junto de cais de embarque ou, então, se ajuntavam em locais, dentro da cidade, onde poderiam ser chamados para a prestação de qualquer serviço. Apesar de os cules pertenceram à classe social mais baixa, existe na toponímia local uma via designada Rua dos Cules, que comunica com duas importantes vias de outrora – precisamente a Rua da Alfândega e a Rua do Gamboa. Aquela via teria sido assim designada devido ao facto de, naqueles tempos, os cules se ajuntavam, num espaço aberto daquela rua, à espera de serem contratados para qualquer trabalho, sobretudo para carregarem bagagens ou materiais, desde aquela zona da cidade até ao Porto Interior ou, então, para outro local da cidade.
Convém notar que os referidos cules (ou coolies, na grafia inglesa) eram trabalhadores assalariados que executavam localmente trabalhos braçais, normalmente muito árduos, os quais nada tinham a ver com outros cules, recrutados no interior da China, os quais, depois de cumprirem todas as formalidades, eram “exportados”, como trabalhadores por contrato, a partir de Macau (7) para países da América Latina, nomeadamente Perú e Cuba, a fim de ali trabalharem como colonos e esses cules eram vulgarmente conhecidos, em chinês, por “Chü Châi” (豬仔 , isto é, porquinhos, pois diziam que eram “vendidos” como porquinhos). Apesar disso, os que embarcavam, com a esperança de um dia regressar à sua terra natal com alguma fortuna, tinham que assinar, previamente, um contrato de trabalho e declarar que partiam de livre vontade para o estrangeiro. O sonho de enriquecer era enorme, mas infelizmente nem todos conseguiam realizar esse sonho. Uma boa parte desses emigrantes acabou por se fixar em terras estrangeiras, ali constituindo as suas famílias (8), enquanto que outros faleceram, durante a viagem ou no trabalho, vitimados por doenças ou por “falta de ópio”, como constavam dos relatórios oficiais e dos certificados de óbito.
O prédio do lado esquerdo, que tem uma parede lateral de cor branca, é onde termina a Rua dos Mercadores. O troço anterior é a Rua da Alfândega e o troço posterior é a Rua dos Cules.
A emigração de cules a partir de Macau cessou durante o governo de Januário Correia de Almeida, Visconde de S. Januário, por ordem recebida da Secretaria do Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, tendo o governador, por Portaria nº 89, datada de 27 de Dezembro de 1873, fixado o fim do tráfico de cules para o dia 27 de Março de 1874. No mesmo mês de Março de 1874, por Portaria nº 25, o governador determinou a extinção da Superintendência da Emigração Chinesa, cuja repartição fora criada em Abril de 1860, devido a abusos praticados por angariadores ou agentes, tendo António Marques Pereira sido o primeiro Superintendente (9), nomeado pelo então governador Isidoro Francisco Guimarães.
Contudo, a emigração voluntária, sem que fosse imposta qualquer obrigação aos emigrantes, continuou.
Rua dos Cules, vista a partir da junção com a Rua do Dr. Soares e a Calçada do Tronco Velho. Foto MV Basílio
O PERCURSO ATÉ À PONTE DOS VAPORES
O Almirante António Sérgio de Sousa foi governador de Macau no período entre 3 de Agosto de 1868 e 23 de Março de 1872. Depois de cessar as suas funções, foi substituído pelo Visconde de S. Januário, Januário Correia de Almeida. O ex-governador permaneceu mais alguns dias em Macau, como hóspede do Visconde do Cercal, tendo só partido para Lisboa no dia 9 de Abril daquele ano. A sua partida revestiu-se de grande solenidade, como descreve a seguinte notícia (apenas parcialmente transcrita), publicada no Boletim da Província de Macau e Timor, nº 16, do ano de 1872:
“Na terça-feira 9, partiram desta cidade com destino a Lisboa S. Exa. o Almirante Sérgio, seu filho e sobrinho.
O digno Almirante foi conduzido ao vapor na carruagem do Exmo. Visconde do Cercal, cujo hóspede era, seguia-o S. Exa. do Governador na sua carruagem. As ruas do trânsito estavam juncadas de flores. Junto à ponte dos vapores achava-se postada uma guarda de honra de capitão e bandeira. Todos os funcionários públicos, oficiais do batalhão, do corpo da polícia e do nacional, o revdo. Vigário Capitular com os seminaristas, cónegos da Sé e outros eclesiásticos, muitos cavalheiros de distinção desta cidade, alguns cônsules e uma grande deputação dos mais abastados negociantes chinas, esperavam os ilustres viajantes na ponte para lhes manifestarem o seu pesar pela sua partida. Algumas senhoras aguardavam a S. Exa. no vapor para o mesmo fim. Entre estas se contavam as Exmas. Sras. Viscondessa do Cercal, D. Mariana Miranda, D. Adelaide Gonzaga, D. Fermina Leite e sua filha D. Maria, D. Camila Reis e sua cunhada.
Logo que S. Exa. assomou ao Largo da Alfândega milhares de panchões atroaram os ares com os seus estalidos.
O vapor largou às 8 horas e meia da manhã ao som da música, então centenares de pessoas agitaram os chapéus e lenços, despedindo-se dos ilustres viajantes.”…
Esta notícia revela que o ex-governador António Sérgio de Sousa fez o seu último percurso pela cidade até à ponte de vapores, que ficava aproximadamente em frente à Rua do Gamboa, na carruagem particular do Visconde do Cercal, enquanto que o novo governador, Visconde de S. Januário, seguiu na sua própria carruagem. Assim sendo, naquela manhã de 9 de Abril, a carruagem que conduziu Sérgio de Sousa até ao Largo da Alfândega (10) teria percorrido a Rua do Gamboa, porquanto não havia então outra alternativa para se chegar ao local onde embarcou para a sua viagem até Hong Kong.
Troço da Rua do Gamboa, cuja rampa vai até à Rua da Alfândega. Em baixo, do lado direito, começa a Travessa do Gamboa. Foto MV Basílio
UMA RUA BEM VIGIADA E CONTROLADA
No passado, apesar de ser uma importante e movimentada via, a Rua do Gamboa era vigiada e controlada, visto que existia um edifício, mesmo junto da Travessa da Louça, sob o qual havia uma passagem por um túnel em arco, com portão que se fechava durante a noite, a fim de impedir a circulação de indivíduos estranhos e aqueles que eram tidos por vagabundos ou malfeitores, conhecidos por “lanchaes” (11), porque estes, quando compelidos pela fome e desespero, iam praticar roubos. Havia também um arco alpendrado e um portal alpendrado, com as respectivas portas à entrada e no fim do Beco do Gamboa, as quais se fechavam ao cair da noite, para protecção de residentes. Além dos referidos portais e de outros que havia naquela zona, há referências em publicações de língua chinesa, que existiu ainda um portal na Rua da Alfândega, destinado a vedar a entrada de pessoas estranhas ou suspeitas para o centro da cidade, o qual era designado, em chinês, por “Hông Ch’eóng Mun” (紅窗門 , literalmente, portal de janela vermelha).
Fim do Beco do Gamboa, onde havia um portal alpendrado. Apesar de o portal ter sido demolido quando ali construíram o actual edifício, manteve-se, no entanto, uma passagem para a Travessa das Virtudes. Foto MV Basílio
O edifício, actualmente existente na Rua do Gamboa, não é muito antigo, apesar de ter a aparência semelhante a “Káng Lau” (更樓 , isto é, “casa de guarda”), de estilo chinês, porquanto há uma placa, colocada dentro do arco, com a inscrição de que foi reconstruído em 1984 pela Associação de Beneficência Tung Sin Tong.
Após uma série de pesquisas relativamente à Rua do Gamboa e à “Káng Lau”, foi encontrada, por mero acaso, uma fotografia em que mostra que a anterior construção não era de estilo chinês, mas sim um edifício de traços coloniais. Teria sido este o edifício original? Quem o teria mandado construir? Será, sem dúvida, matéria para pesquisas futuras.
Em primeiro plano, vê-se um carregador transportando mercadorias em dois cestos com uma pinga e, mais atrás, várias pessoas e carregadores a atravessarem o túnel em arco da Rua do Gamboa. O Hotel A-Chau situava-se depois da passagem pelo túnel, num edifício do lado direito.
A ESTRANHA DENOMINAÇÃO, EM CHINÊS, DA RUA DO GAMBOA
Conforme se mencionou, a Rua do Gamboa é dedicada a António José Gamboa. Tal como outras vias antigas, o topónimo em chinês é geralmente atribuído segundo a tradição, usos e costumes, ou mesmo até por motivos auspiciosos ou, então, derivado de uma actividade, ou por qualquer coisa ou facto relacionado com o local. Por conseguinte, na zona antiga de Macau, os topónimos em português e em chinês, dados à mesma via, nem sempre são coincidentes.
Assim, a Rua do Gamboa é designada, em chinês, pelo estranho nome “Yé Mó Kai” ( 夜呣街 ) (12). Se alguém perguntar a um chinês ou a um residente daquela rua, qual o significado de “Yé Mó” ( 夜呣 ), a resposta é, de imediato, “não sei”. De facto, o termo formado por aqueles dois caracteres chineses não tem qualquer explicação ou significado lógico. Há quem diga que “Yé Mó” é uma transliteração do português. Mas transliteração de qual palavra ou termo? A este respeito, existe um artigo publicado em língua chinesa, em que o autor tentou explicar que “Yé Mó” é uma transliteração de “Borja”, alegando que a Calçada do Gamboa era inicialmente designada Calçada do Borja (em homenagem a D. Nicolau Rodrigues Pereira de Borja (13); que a transliteração de Borja corresponde a “Mó Yé”; e que este nome, lido e escrito da direita para a esquerda, deu origem a “Yé Mó”. Este argumento não é convincente, nem tem qualquer lógica ou fundamento, pois nada consta ter existido naquele local uma via denominada Calçada do Borja. Além disso, não existe qualquer semelhança na transliteração de um termo para o outro.
Arco em forma de túnel, que dá acesso à Rua do Gamboa. Foi reconstruído em 1984 pela Associação de Beneficência Tung Sin Tong, proprietária do prédio. Foto MV Basílio
Há vários anos que andamos a pesquisar sobre a estranha designação “Yé Mó”, quer consultando publicações, quer perguntando sobretudo a pessoas idosas, incluindo as que residiram nas imediações da Rua do Gamboa, qual o verdadeiro significado daquela designação. Não conseguimos uma resposta aceitável.
No entanto, como existem na toponímia local vários exemplos de nomes em chinês, cujo verdadeiro significado fora deturpado pela pronúncia ou alterado pelo uso incorrecto de um caracter, por isso acabamos por suspeitar que o termo “yé mó” deveria ser mais um caso resultante do emprego erróneo de um dos caracteres. Assim, tendo recentemente consultado alguns dicionários, encontrámos de facto um termo homófono 夜摩 (yé mó), que significa gatuno (14). Achamos que este termo tem certa lógica, uma vez que, conforme acima descrito, havia naquela época diversos portais na zona do Gamboa, destinados a impedir a entrada de pessoas estranhas ou suspeitas, a partir do período da noite. É que naqueles tempos vinham diariamente à cidade de Macau, sobretudo por mar, chineses do continente ou das ilhas próximas, à procura de trabalho e, quando não conseguiam meios necessários ao seu sustento, iam roubar o que podiam. Sendo então a Rua do Gamboa uma via importante e principal, onde residiam e transitavam muitas pessoas, a atracção era grande para os gatunos. Portanto, é nossa opinião que o termo “yé mó” significa gatuno (ou melhor, “gatuno da noite”, devido ao caracter “yé” 夜, noite) e, assim sendo, a escrita correcta será 夜摩 e não 夜呣 .
A RUA DO GAMBOA NO PRESENTE
Hoje em dia, a Rua do Gamboa e as vias adjacentes deixaram de ter aquela fulgurância do passado, por não estarem integradas no roteiro turístico, embora existam visitantes que costumam ir à Pastelaria Chui Heong ( 最香餅家 ), uma loja muito antiga que confecciona biscoitos chineses, apenas com o desejo de comprar os deliciosos biscoitos de amêndoa, cozidos a carvão vegetal.
Pastelaria Chui Heong, uma das mais antigas lojas, ainda em actividade, na Rua do Gamboa. Foto MV Basílio
A Rua do Gamboa começou a perder a sua importância, após os aterros que começaram a ser feitos a partir de meados do século XIX. Com o aproveitamento dos novos aterros na zona adjacente à Gamboa, foram criadas novas vias, designadamente a que foi dado o nome de Rua da Felicidade, que começa na Rua da Alfândega e termina na Rua da Caldeira. Décadas depois, com a abertura da Avenida Almeida Ribeiro, desde o Largo do Senado até ao Porto Interior e, seguidamente, desde a Rua Central até à Rua da Praia Grande, a nova Avenida, totalmente concluída em 1920, acabou por revolucionar o sistema de comunicação viária entre leste e oeste da península, porquanto facilitou a circulação de pessoas e, ao mesmo tempo, impulsionou o comércio e alterou por completo a vida social do território de Macau.
A passagem não era totalmente em arco, pois havia ombreiras e lintel de pedra. Na fotografia, vê-se um anúncio do então Hotel A Chau (isto é, Hotel Ásia), nos anos 70 do século passado.
Na Rua do Gamboa tivemos o ensejo de conversar com um senhor já idoso, de apelido Tang, sapateiro de profissão, tendo aprendido esse ofício nos anos da sua juventude no Instituto Salesiano. O Sr. Tang tem a sua loja na Rua do Gamboa há cerca de cinquenta anos e, conforme nos confidenciou, desde que se mudou para aquela rua, o comércio local foi decaindo ano após ano, apesar de, por volta daquela altura, terem construído, no mesmo local resultante da demolição do edifício do Hotel A Chau (亞洲酒店, isto é, Hotel Ásia), um novo prédio residencial, tendo todo o rés-do-chão desse prédio sido então ocupado pela Fábrica de Vestuários Luen Cheong (聯昌製衣廠 ). Esta fábrica teve os seus períodos áureos nos anos setenta do século passado, quando o sector fabril era preponderante na economia local, até que o abrandamento se iniciou na década seguinte, com a abertura da China ao comércio externo, e os industriais começaram a transferir as suas fábricas para o continente chinês, por lhes oferecerem melhores condições de laboração.
A loja do senhor Tang Seng鄧成 , denominada Sapataria Wong Lam Kei (黃林記鞋業) e a Pastelaria Chui Heong ( 最香餅家 ) são os únicos estabelecimentos mais antigos que restam na Rua do Gamboa.
Sapataria Wong Lam Kei, uma das mais antigas lojas, ainda em actividade, na Rua do Gamboa. Foto MV Basílio
A rua de cima, isto é, a Rua da Alfândega continua a ser uma rua bastante movimentada, com diversos pequenos negócios ali instalados, por ser uma via que comunica entre a zona da igreja de S. Lourenço e o centro da cidade, passando pela Rua do Seminário (15). Os estabelecimentos ali existentes são, na maioria, recentes, excepto o Jornal Va Kio (16), instalado num prédio renovado e requalificado, que outrora serviu de armazém do ópio.
Este prédio, que originalmente era um armazém do ópio, foi requalificado para servir de instalações do Jornal “Va Kio”. No 2º andar deste prédio funciona o Centro Artístico-Cultural Chiu Pán Lán, dedicado ao fundador do Jornal. Do lado direito, é a Rua da Alfândega. Foto MV Basilio
Actualmente, podemos constatar que, tanto nas imediações da Rua do Gamboa, como na Rua da Alfândega, diversos prédios estão sendo ocupados por trabalhadores não residentes, a maioria dos quais de etnia filipina, e por esse motivo, estão surgindo naquela zona pequenas lojas exploradas por filipinos, designadamente estabelecimentos de pronto-a-comer, bijutarias, vestuários, cabeleireiros e até padaria. Deste modo, é sobretudo esta comunidade que está a dinamizar uma das zonas mais antigas de Macau com os negócios que vão criando.
NOTAS:
Publicações consultadas:
(Texto, fotos e respectivas legendas de MV Basílio. Salvo indicação em contrário, as fotos antigas foram baixadas da internet, designadamente do grupo Antigas Fotos de Macau).
ONDE FICA A RUA DO GAMBOA?
Origem: Google Maps
No canto superior esquerdo, o fim da rua está assinalado com um circulo amarelo e é onde está localizado aquele portal com um túnel em forma de arco. (Origem: Google Maps)
MAIS FOTOS DA RUA DO GAMBOA E CERCANIAS
Um troço da Rua da Alfândega, visto do cruzamento com a Rua do Gamboa e a Calçada do Gamboa. Foto MV Basílio
Um recente estabelecimento de Café, na Rua do Gamboa, com decorações alusivas a Macau. Foto MV Basílio
A Rua do Gamboa, vista a partir da Rua das Lorchas. Outrora, ao longo de muitos anos, servira de “porta de entrada” para o interior da cidade. Foto MV Basílio
Uma carruagem no Largo do Senado, em princípios do século XX. No lado direito, há uma bandeira com os caracteres chineses 嘉賓大酒店 (Ká Pân Tái Chau Tim), ou seja, Hotel Ká Pân.
Triciclos tradicionais, que ainda restam, estacionados junto ao Hotel Lisboa, à espera de turistas, sendo estes os principais clientes. Foto MV Basílio
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Os relatos do Basílio em relação aos bairros de Macau, foram sempre muito bem elaborados e com pormenores que a maioria, decerto, desconhecia. Eu só pude ler este último por tb. ter estado com problemas com a saúde de minha mulher (e eu próprio), mas parece que ainda não foi desta que o Diabo me conseguiu dominar…ainda bem, caraças!!! Logo que eu tiver alguém disponível em Macau que me traga a coletânia de todas as histórias escritas pelo Basílio, sobre os bairros de Macau, irei adquiri-la no Instituto Internacional de Macau que ficará nos meus arquivos aqui em casa. Para quem viveu 55 anos em Macau, antes de se fixar em Portugal é lógico que assim seja. Abraços.
Agradeço Jorge, boa recuperação e fique bem. Os livros do Basílio podem ser comprados directamente do site do IIM que farão a remessa pelos Correios. Abraços
Caro amigo Manuel Basilio
Grande escritor e historiador macaense. Fantástico artigo.
Abraço.
Henrique
Grato Henrique pelo comentário. Abraços, Rogério