Cronicas Macaenses

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Origem do nome de Macau, por Manuel V. Basílio

ORIGEM DO NOME DE MACAU

Texto de Manuel V. Basílio (Macau)

Não há dúvidas de que o nome de Macau deriva da deusa Ma Chou (媽祖 , “mãe ancestral”), estando o nome do Templo, que lhe é dedicado, inscrito no lintel do portal, com os caracteres chineses Ma Chou Kók (媽祖閣, que significa “Vestíbulo de Ma Chou”).

Ma Chou, também conhecida por Tin Hau, a Raínha do Céu, é a deusa protectora do mar. É venerada por comunidades chinesas em diversas partes do mundo, designadamente em Taiwan. O templo original dedicado a Ma Chou está localizado na ilha de Meizhou (梅州), ao largo da costa de Putian (莆田), na Província de Fujian, onde esta deusa nasceu e ascendeu ao céu.

No portal, entre as duas lanternas vermelhas, há três caracteres chineses 媽祖閣
(escritos da direita para a esquerda), os quais significam “Vestíbulo da deusa Ma Chou”

O templo da Deusa A-Ma é também conhecido por “Ma Kók Miu” (媽閣廟) que, em meados do século XVI, era apenas uma simples estrutura, com um altar dedicado à deusa protectora dos pescadores, que lá iam venerá-la, ou lhe faziam uma vénia, quando os seus barcos de pesca por ali passavam, quer antes, quer depois da faina.  Aquele Templo foi posteriormente ampliado ou reconstruído, como consta de uma inscrição no interior da soleira da porta, na qual menciona que o Templo foi construído em 1605, no 33º ano do reinado deWanli (萬曆, em cantonense, Mán Lek), reconstruído em 1629, no 2º ano do reinado de Chongzhen (崇禎, em cantonense, Sông Chêng) e reparado em 1828, no 8º ano do reinado de Daoguang  (道光, em cantonense, Tou Kóng). Estas e outras obras, que foram realizadas, no decurso do tempo, deram ao Templo a actual configuração, com o estilo arquitectónico de “Mân Nam” (閩 南, em pinyin, “Minnan”, um dos grupos étnicos de Fujian).

O santuário ou altar que existia, dedicado à deusa A-Ma, deveria estar erigido naquele sítio aquando do estabelecimento dos portugueses, e não meio século depois, como consta da referida inscrição, devendo o referido ano de 1605 ser o de reconstrução ou de ampliação.  Esta certeza baseia-se, designadamente, no facto de o Pe. Mateus Ricci, que para aqui veio em 1582, proveniente da Índia, ter explicado, desta forma, a origem do nome de Macau: “Naquela península havia um ídolo que ainda hoje lá se vê, que se chamava Ama, do qual veio o nome de Amacao”.

O nome dessa deusa originou, posteriormente, diversas denominações, em português, tais como Amaquã, Amachao, Amagao, Amacao, Machao, para designar o porto, a baía ou o ancoradouro, onde os barcos portugueses aportavam e onde depois se estabeleceram.

Nas diversas pesquisas efectuadas, constatou-se que uma boa parte dos mareantes ou pescadores que frequentavam os mares do sul da China eram provenientes da costa de Fujian (福建, em cantonense, lê-se “Fôk Kin”), ao longo da qual viviam chineses de diferentes etnias, cada qual com o seu dialecto próprio, os quais, durante séculos, eram, de um modo geral, designados pelos portugueses por “chincheus” (derivado de 泉州 , em cantonense, “Chin Châu” e, em pinyin, Quanzhou), incluindo chineses da etnia “hakká” (客家).

Quanzhou é uma cidade localizada na província de Fujian, na China. Este nome apareceu em fontes jesuítas espanholas e portuguesas como Chincheo, que depois foi anglicizado como Chinchew. Era um porto frequentado por mercadores estrangeiros, mas acabou por perder a sua importância devido a assoreamento.

Dado que os portugueses não estavam habituados a ouvir sons de tais dialectos e, presentemente, nem se sabe qual o dialecto usado pelos chineses com quem os antigos portugueses lidaram, nos primeiros contactos, por isso, cada um registava ou transliterava os nomes chineses como bem entendia ou interpretava, resultando, deste modo, uma significativa variação no registo dos referidos nomes para designar o porto de Macau.

É frequente verificar em publicações de língua portuguesa que o nome de Macau deriva de Amagao e que “Ama” significa “deusa” e, “gao” quer dizer “porto” ou “baía”.

Esta interpretação, porém, não está totalmente correcta, porquanto:

  • “Ama” não significa “deusa”.  A deusa chama-se Ma Chou (媽祖) e A-Ma é apenas o nome abreviado dessa deusa. O “A” não tem qualquer significado, sendo apenas uma partícula que usualmente precede a nomes chineses.  Por exemplo, se uma pessoa se chama Fong, é conhecida por A-Fong; se for Wong, é A-Wong; e, se for Leong, é A-Leong.
  • “Gao” não significa, nem tem qualquer sentido lógico com “porto” ou “baía”. A letra g é um elemento de ligação. Apenas o caracter “ao” (澳, em cantonense, lê-se “ou”) pode ter o significado de “enseada”, “baía” ou “ancoradouro”.

Assim, a palavra “Amagao” é formada por (A) ma (g) ao, em que ma (媽) é o nome abreviado da deusa “Ma Chou” (媽祖) e “ao(澳), em mandarim, (e também em vários dialectos da província de Fujian), significa “enseada”, “baía” ou “ancoradouro”.

As outras variantes de Amagao, tais como Amacao, Amaquão, Machoao, Machao, etc., todas elas são palavras compostas de A-Ma ou “Ma” (isto é, referente à deusa Ma Chou) e “ao” (澳)ou, então, “kong” (港) que significa “porto” ou “braço de um rio”. Assim, o nome Amaquão é uma palavra composta de Ama e quão, sendo “quão” a transliteração de “kong” (港) ou, em mandarim, “kang”.  De notar que, na referida carta de Fernão Mendes Pinto, redigida em Macau, ele escreveu no fim, antes da sua identificação e data, “Ama Cuão”, que deve querer dizer “A-Ma Kong”, ou “porto de A-Ma”).  Existe outro nome semelhante que é “Amacon” e que serviu de título ao livro de Charles Boxer – “The Great Ship from Amacon”.

Por outro lado, o nome Machoao, uma das variantes utilizadas para designar a “enseada ou ancoradouro da deusa Ma Chou”, é mais explícito, pois é composto por “Ma cho ao”, ou seja, “Ma cho”, para designar a deusa “Ma Chou” e “ao”, para significar “enseada” ou “ancoradouro”.

Por conseguinte, há duas ou três componentes que entram na formação dos referidos nomes:

  • uma, a deusa Ma Chou, cuja forma abreviada é “A-Ma” ou “Ma”;
  • outra, “ao” (cuja fonética varia em alguns dialectos chineses), que quer dizer “enseada, baía ou ancoradouro”; e
  • outra, “kong”, ou a variante “kang”, que significa “porto”.

Pode-se, assim, concluir, que o nome Macau (Ma [c] ao) tem origem em “enseada ou ancoradouro da deusa Ma Chou”, no qual o c (bem como o g em Amagao) é apenas um elemento resultante da transliteração fonética, ali inserido para realçar o tom “ao” (澳 , que se lê ào, em tom grave), tal como é pronunciado em alguns dialectos chineses da província de Fujian, bem como em mandarim, ou melhor, em Putonghua, a língua oficial chinesa.  Assim, as variantes que existem nas dicções, consoante o dialecto usado, deram origem a diversas transliterações fonéticas, tais como “ngao”, “gao” ou “cao, em que os respectivos elementos ng”, “g” ou “c foram acrescentados apenas para dar ênfase ao caracter “ao” (澳) quando pronunciado nos respectivos dialectos.  

  • Excerto do livro SÍTIOS COM HISTÓRIAS, Volume 2, de Manuel V. Basílio, editado em Setembro de 2021.

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

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O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.

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