Wang Bo (汪柏) foi uma figura muito importante na história do estabelecimento de Macau, por ter feito, na qualidade de haidao fushi (海道副使, ou seja, Subintendente de Defesa Costeira), o primeiro assentamento (isto é, acordo) sino-português com Leonel de Sousa, o qual permitiu a entrada dos portugueses nos portos a sul de Cantão, para realizarem actividades comerciais normais, desde que respeitassem as leis chinesas e pagassem os respectivos direitos alfandegários.
Dizem que Wang Bo (aliás, Wang Tingjie) era conhecido pelas suas excelentes qualidades intelectuais e morais. Na sua carreira, ocupou importantes cargos em Cantão, designadamente o cargo de Subintendente de Defesa Costeira, que exerceu entre 1553 e 1556, tendo, seguidamente, sido transferido para o cargo de Conselheiro de Administração de Zhejiang (浙江, em cantonense, “Chit Kóng), onde serviu até 1557, regressando, então, para Cantão, a fim de ocupar o cargo de Haidao (ou Aitão, na forma aportuguesada), isto é, Intendente de Defesa Costeira, até 1559.
Durante os anos da dinastia Jiajing (嘉靖, em cantonense, Ká Cheng) propagou-se a crença de que o consumo de uma droga, em cuja composição entrava o âmbar cinzento, proveniente das ilhas das especiarias, tinha poderes afrodisíacos e de longevidade. Devido à escassez do âmbar cinzento no país, os mandarins que superintendiam a defesa costeira foram encarregados da obtenção daquele produto através de mercadores estrangeiros. Wang Bo, como Subintendente de Defesa Costeira, soube como resolver a escassez do âmbar cinzento e, por isso, teve uma excelente oportunidade para demonstrar ao Imperador a sua competência, que era essencial para a progressão na sua carreira.
Aconteceu, entretanto, que Leonel de Sousa, capitão-mor de uma frota comercial, se encontrava no sul da China, quando Wang Bo desempenhava o cargo de Subintendente de Defesa Costeira de Cantão.
Os contactos entre ambos teriam iniciado naquela altura, tendo Leonel de Sousa mostrado todo o seu empenho na negociação de um acordo que permitisse aos portugueses comercializar legalmente com a China. Nas negociações, Leonel de Sousa teve a ajuda de um mercador português, de nome Simão de Almeida, como se pode verificar na seguinte descrição que fez:
“Estes negócios e paz acabei com muitos trabalhos e custo que os não posso escrever, que doutra maneira se não puderam fazer por quão desacreditados estavam os portugueses na China; encarreguei deles a um Simão de Almeida, homem honrado, e cavaleiro, que da China tem muita experiência por navegar nela num navio seu há dias; o que fez com muita diligência, e desejos de servir sua Alteza, por algumas obrigações de seu serviço, que lhe pus diante foi sempre honradamente, e veio à sua custa; e, além do que gastou, soube que dera algumas dádivas a pessoas e oficiais do Aitão, com que negociou mais breve do que o pudera fazer sem isso …” (excerto da carta que enviou ao infante D. Luís, irmão de D. João III).
Conforme relatou, Simão de Almeida tinha muita experiência da China e, por conseguinte, era conhecedor dos usos e costumes dos chineses no que respeita a dádivas. Não parece, portanto, que o Subintendente Wang Bo tivesse sido subornado, porquanto a descrição feita por Leonel de Sousa apenas refere que Simão de Almeida “dera algumas dádivas a pessoas e oficiais do Aitão”, mas não ao Aitão, e tais pessoas poderiam ter sido comerciantes chineses que agiram como intermediários para a negociação do acordo entre Leonel de Sousa e Wang Bo, em 1554. Teriam aquelas dádivas, que eram uma prática usual na China, sido encaradas como suborno?
Pelo que se sabe, Wang Bo sempre demonstrou, durante a sua carreira, ser um homem de elevada moral e de grande honestidade e, assim sendo, não se arriscaria arruinar a sua carreira oficial por um acto de suborno, a fim de permitir a entrada de comerciantes de um país não tributário. De recordar que as comitivas das embaixadas dos países ou reinos tributários que, de tempos a tempos, iam à Corte prestar vassalagem ao imperador, levavam os respectivos tributos e valiosos presentes.
Das negociações tidas com Wang Bo, ambas as partes chegaram a acordo, designadamente, nos seguintes pontos:
Deste modo, ambas as partes encontraram uma solução que permitiu a legalização das suas actividades comerciais na China, mediante o pagamento de uma taxa, bem como reavivar o porto de Cantão, que enfrentava um empobrecimento desde que fora fechado ao comércio externo. Além disso, abriu uma nova era nas relações sino-portuguesas, que desde 1522 os portugueses estavam oficialmente impedidos de comercializar, tendo também aberto caminho para o estabelecimento dos portugueses em Macau, três anos depois, em 1557.
Quem eram os folangji ou ferengi
Na época das cruzadas, um movimento que se estendeu entre os séculos XI e XIII, os muçulmanos deram o nome Franj aos temíveis cruzados que combatiam para a libertação da Terra Santa e, desde então, os europeus eram designados por aquele nome, que, mais tarde, foi adulterado para ferengi, quando passou a ser também usado na Índia e noutros pontos do sul asiático. Depois, os chineses adaptaram tal termo para folangji (佛郎機, em pinyin, lê-se “fu lang jī” e, em cantonense, “fát long kei”), havendo, ainda, outras variantes, tais como fulangji ou feringhi.
Leonel de Sousa, Capitão-Mor da Viagem do Japão, quando chegou à costa do sul da China em 1552, veio a saber que os estrangeiros conseguiam comerciar com a China, mediante o pagamento de taxas, excepto os “folangji”, nome pelo qual os portugueses eram então conhecidos. Este nome, adoptado pelos chineses, derivou possivelmente das queixas que tinham sido apresentadas ao Imperador da China, por aqueles reinos muçulmanos que eram estados tributários da China, e que foram subjugados, a ferro e fogo, pelos portugueses. Por isso, quando o referido acordo foi negociado entre Leonel de Sousa e Wang Bo, a designação “folangi”, anteriormente atribuída aos portugueses, foi substituída por “portugueses provenientes de Portugal e Malaca”, a fim de limpar a má fama que tinham os “folangji”, como piratas, contrabandistas e comerciantes desonestos, e demonstrar, desta forma, que os portugueses de facto eram mercadores, com desejos de comerciarem legalmente, pagando as devidas taxas.
Excerto do livro SÍTIOS COM HISTÓRIAS, de Manuel V. Basílio, editado em Setembro de 2021, cujo texto fora também publicado no Jornal Tribuna de Macau, em 08 de Abril de 2022. Ver o seguinte link: https://jtm.com.mo/opiniao/primeiro-acordo-sino-portugues/
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
Não poderia este blogue deixar de fazer mais um registo histórico de uma tradição mantida na Macau do ano de 2023, hoje, território da República Popular da China. Assim, o nosso colaborador, Manuel V. Basílio, macaense residente em Macau, nos dá o relato, com fotos, sobre a procissão de Nossa Senhora de Fátima realizada no […]
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Hoje, 24 de Junho de 2022, comemora-se 400 anos de “A Maior Derrota dos Holandeses no Oriente” na sua tentativa de tomar Macau dos portugueses. Até a transição de soberania de Macau, de Portugal para a República Popular da China, em 20 de Dezembro de 1999, a data era comemorada como “DIA DE MACAU” ou “DIA DA […]
Adorei ler este Texto
Diana Ines Gomes Vidal.Guerra
Que bom Diana, obrigado pelo comentário
Obrigada pela partilha. Um abraço da Majão Ferreira
Agradeço o comentário Majão, abraço. Rogério