Cronicas Macaenses

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“Os Macaenses no Brasil desde Dom João VI”, um artigo de Pedro Martins Zuffo

Dando sequência à postagem anterior sobre Pedro Martins Zuffo, nesta apresentamos um artigo deste jovem da Comunidade Macaense de São Paulo que nos conta sobre os Macaenses no Brasil, país onde reside e nasceu.

Pedro Martins Zuffo um jovem de 21 anos de idade (do ano de 2000), nascido e residente em São Paulo. Sua mãe nasceu em Macau e imigrou para o Brasil com 2 anos de idade . Os avós maternos, da família Martins, são macaenses naturais de Macau e residentes no Brasil. A ascendência europeia do lado do seu pai brasileiro, da família Zuffo, é majoritariamente italiana. É graduado em Direito pela FGV Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, uma dos mais respeitáveis do Brasil.

Os Macaenses no Brasil desde Dom João VI

Autoria de Pedro Martins Zuffo

A presença dos macaenses no Brasil foi marcada pela diáspora que ocorreu entre as décadas de 1950 e 1970, tendo a comunidade instalando-se principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Contudo, pouco é de conhecimento sobre os filhos da terra que ali estiveram durante a fuga de D. João VI e de toda a Corte, de 1808 até 1820, por causa da invasão napoleónica a Portugal.

Dom João VI – fonte: Wikimédia

Nesse sentido, para os estudos da relação entre Brasil e Macau na altura, então duas colónias do Império Português, é interessante dedicar atenção às Crónicas do Padre Luís Gonçalves dos Santos (1767-1844). Cónego da Capela Real, polémico, recorda que em 1810, dois anos após a instalação da Corte em solo brasileiro, D. João VI concedeu isenção de direitos para produtos chineses vindos de Macau. Registou o Padre de boa forma os ânimos do momento para a tomada de tal decisão: “se o Rio de Janeiro e a Baía forem os interpostos das mercadorias da China, que lucros se não podem esperar para o futuro deste ramo do comércio asiático”.

Desta forma, são feitas duas afirmações que ilustram a presença de macaenses no Brasil.

Em primeiro lugar, com a assinatura em 1808 da abertura dos “portos às nações amigas”, “em grande quantidade [os chineses] vieram de Macau para o Rio de Janeiro”. Interessante notar nesta frase que, embora seja difícil averiguar se o Pe. Luís tinha conhecimento da distinção entre macaenses mestiços com ascendência portuguesa ou apenas chineses, percebe- -se que desde àquela altura o governo português distinguia os habitantes do seu território asiático, independentemente de sua etnia, daqueles do Continente.

Além disso, não só o Rei concedeu tratamento de Senhoria ao Leal Senado, como também o Padre observa a comparência de chineses nas cerimónias de coroação e aclamação de D. João VI no Rio de Janeiro. Tal comunidade concentrava-se sobretudo no Beco dos Ferreiros, antigo morro do Castelo, actual centro da cidade.

Beco dos Ferreiros no Rio de Janeiro em 1941. Fonte: Malta, Augusto – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro

Nessa linha, como aponta Andréa Doré no seu trabalho “Os Macaenses no Brasil”, Rafael Botado de Almeida, na época Senador de Macau, veio ao Brasil em 1809. Fora prisioneiro dos franceses na actual Ilha Maurício, sendo autorizado a embarcar para o Brasil levando sementes e mudas de plantas cultivadas na ilha.

Também, segundo a autora, haveria um objectivo de desenvolvimento da cultura do chá na então colónia, de modo a abastecer o mercado europeu, principalmente o inglês, aliado de Portugal mais forte em termos militares e económicos no período.

Para tanto, houve um estímulo para a vinda contínua de chineses de Macau e de mudas de chá, que foram plantadas no Jardim Botânico e em seguida também na ex-fazenda jesuíta em Santa Cruz, no Rio de Janeiro.

Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 1856. Fonte Wikimédia

Outro relato digno para se trazer à tona é o de Maria Graham, inglesa que escreveu o Diário de uma viagem ao Brasil (1821-1823). A propósito da sua visita em 1821, diz que o Jardim Botânico da então capital brasileira havia sido destinado pelo rei para o cultivo de frutos orientais e especiarias e, principalmente, “para o do chá, que ele mandou vir da China juntamente com algumas famílias acostumadas à sua cultura”. A fama do clima tropical brasileiro favorável à plantação não ficou de fora: “nada pode ser mais próspero do que o conjunto das plantas. O cinamomo, a cânfora, a noz moscada e o cravo da Índia crescem tão bem quanto no solo natal”.

Todavia, embora fosse o chá de excelente qualidade, a produção não chegou a ser significativa e não foi continuada por D. Pedro I, que em 1822 declarou a independência do país, e que julgou ser melhor vender o café e simplesmente importar o chá.

Jardim Botânico do Rio de Janeiro no centro da foto visto do Corcovado

Após tal decisão, o imperador encarregou Frei Leandro do Sacramento, que ocupava o cargo de director do Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas, de organizar uma colecção de sementes de chá e outras especiarias para as províncias do Império do Brasil.

Nesse sentido, os últimos chineses e macaenses que tinham vindo ao país detinham o conhecimento quase que exclusivo do processo da cultura do chá, tal como era o caso do China Mestre do Chá, assim chamado por Frei Leandro.

A história dos destinos e dos descendentes dos macaenses que vieram com D. João VI, além de ser bem interessante e curiosa, é muito importante para o reaperto dos laços dos que continuam no Brasil com as suas raízes, bem como para todos que permaneceram em Macau, influenciando uma cultura a mais de 17 mil km de distância.

Assim, reforça-se a transmissão da riqueza cultural da cidade do Nome de Deus, de Macau (Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, Não Há Outra Mais Leal – nome dado por D. João IV em 1654), pelos filhos da terra para as próximas gerações, de modo que fiquem preservadas na memória, complementando com as emoções de quem fez e faz parte desta história, o trabalho de historiadores que estão a pesquisar e documentar as vivências dos macaenses desde 1808, para que sejam revitalizadas e tenham seu devido espaço histórico.

2 comentários em ““Os Macaenses no Brasil desde Dom João VI”, um artigo de Pedro Martins Zuffo

  1. Armando Cação
    13/12/2021

    D. João era Príncipe Regente e quando uma delegação do Senado de Macau foi ao Rio, atribuiu o título de Leal ao Senado. Com D. João IV a cidade já tinha o título de leal, mas o Senado só ficou Leal Senado com o Príncipe Regente, futuro D. João VI.

  2. Armando Cação
    13/12/2021

    No Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar fui encontrar, há uma meia dúzia de anos, 3 mapas relativos a Macau, sendo que dois deles eram mesmo de Macau e o terceiro estava lá arquivado por ter escrito “cultura dos Xinas”. Após ter verificado que o mapa não era referente a Macau e ter procedido a alguma pesquisa, com a ajuda do Sr Coronel Berger o mapa foi recolocado para a Fazenda Santa Cruz, agora próxima do Rio de Janeiro, local onde se encontravam chineses que seguiram para o Brasil com plantas para plantação do chá. Tenho cópia do mapa. datado de 1819, que gostaria de partilhar.

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

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O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
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