Nesta postagem a 2ª parte do artigo – Provérbios Macaenses – de autoria de Manuel Vilarinho, publicado na Revista Macau, edição de Janeiro de 1999. Contém distintamente provérbios em patoá apenas, outros com tradução para português e os somente na língua portuguesa que se atribui a coleta em Macau.
Os entendidos em patoá de Macau perceberão que alguns textos em patoá, não necessariamente estão escritos a rigor no dialecto, como o eu no lugar de iou, o são em vez de san, ou então umas palavras com dois “rr” quando muitos macaenses costumam pronunciar somente com um “r” o que deixava os professores de língua portuguesa, de Portugal, a ficar arrepiados e dar puxões de orelha, nos tempos em que isso era permitido. Ou ainda a falta de acentos para uma correta pronúncia em patoá. No entanto para respeitar a reprodução fiel do artigo, publica-se da forma como foi copiada:
PROVÉRBIOS MACAENSES (2ª e última parte)
de Manuel Vilarinho – Revista Macau, Janeiro de 1999
Do nosso amigo Dr Mário Leão, recebemos um caderno de apontamentos da Senhora D. Maria Teresa Pitter, do qual respigámos mais uns tantos provérbios do patoá macaense.
E um documento enternecedor e duma autenticidade ímpar, tratando-se de apontamentos feitos por uma senhora, então de 83 anos, que com grande dificuldade, por lhe faltar a vista, registou aquilo que sempre ouviu em Macau.
Apresentamos os provérbios conforme o original, limitando-nos apenas a acrescentar o significado de algumas das palavras, quando necessário (porque mais distantes do português-padrão), ou a explicar o conteúdo:
Pequeno robá sã ladrão, grande robá sã barão,
acunga vai prisão, estunga panhá medalhão.
Acunga= aquele; estunga = este]
Casa, eu-sa casinha, masqué pequenina,
eu nali dentro são rainha.
Né bom ri de quim chorá, que vós um dia tambem logo apanhá.
Monte já dá tiro, tufão grande tá vem;
azinha mará janela, trancá porta tambem.
[A iminência dos tufões em Macau era assinalada antigamente por tiros de canhão disparados da Fortaleza do Monte, num alerta à população que deveria prevenir-se pregando portas e janelas]
Dolê, dolê, cabeça dor, azinha vai jardim. Senta bobó.
[Bobó = baloiço — Ou como se cura uma dor de cabeça…]
Iu ir lorcha vai Cantão, buscá seda, fazê quimão novo-novo dá nhonha vesti, velo-velo limpá chão.
[Trata-se de uma adaptação mais recente de uma velha lenga-lenga do patoá macaísta. Quimão = quimono, cabaia chinesa; nhonha = rapariga/moça]
Toda gente falá que Macau são pequeno, feio, não tem nádi de bom;
mas Macau tem unga arvore de pataca
que tudo gente querê gonchong.
[gonchong = abanar]
Gonchong que gonchong que já fica careca;
Mas Deus muito bom, sempre dá tanto sapeca.
[Ainda a árvore das patacas…]
Agora duas referência a um amor não correspondido:
Eu querê pa vôs, vôs querê pa outro,
Deus logo castiga vôs fica ôlo torto.
Eu querê pá vós, vós querê Ninachai;
Deus logo castiga, vôs fica olo cacái,
[cacái = vesgo]
Monte já dá tiro, capitão manda chomá
Adeus Rosa Branca, pa nunca mais vê.
(A voz da autoridade…)
Babachai bebê leite,
gente grande bebê café,
velo velo bebê vinho,
padre cura cherá rapê.
[Hábitos alimentares e outros]
[Babachai – bébé/bebê. Influência do cantonense]
Chica garridona, corre com chiripo,
Cara bacarado, já cai no penico.
[chiripo – tamanco; bacarado = empoado ou empoada].
Ana bicha doida, corrê na travessa, saia fede mijo,
Com fula na cabeça.
(fula = flor. Também: Ana bexigosa, corre na travessa, etc)
Macau tem agua de Lilau, bebê ungchinho lô mata sede.
ungchinho = urn bocadinho. (ou logo logo)
Quim bebê água do Lilau, nádi esquecê Macau, quim bebê da bica lô casa e volta para Macau.
Jambolão já cai na cidade, nhonha nhonha di Macau,
já dá grande novidade.
[jambolão = fruto parecido com a uva preta, hoje pouco comum]
Olá fumo sã busca fogo. – Não há fumo sem fogo.
Filo di pêsse capaz nada – Filho de peixe sabe nadar.
Caréta vai na dianti co boi no trás. – Andar com o carro adiante dos bois.
Unga pastro na mám sã más bom qui dôs ta agua.
Mais vale um pássaro na mão que dois a voar.
Árvre di laranja nádi dá limám.
(Laranjeira não dá limão).
Le co le, cre co cre.
Lê com lê, crê com crê.
Falá na diabo, diabo batê porta.
Falai no mau, aparelhai o pau.
Na terra di genti-cego, quim tem unga ôlo
na-más pôde ficá ré.
Em terra de cegos, quem tem olho é rei.
Sium co siara pilizá, vós virá cost’ andá.
Entre homem e mulher não metas a colher.
Quim nacê torto, lô morê torto.
Quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita.
Corê demasiado azinha, putau lô sai quebrado.
Quem vai muito depressa pode quebrar a cabeça.
[putau = recipiente de barro para cozinha; neste caso simbolizará a cabeça ôca]
Arvore de papaia, já nacê rabo,
nhonha nhonha vai raná, velo velo corrê babo.
Chicha varrê rato, corrê na bambu, rato buli rabo, Chicha buli eu.
Vesti, gosto de gente, come gosto de onsông.
[onsông = cada um ou cada qual. A vestir atende-se ao gosto dos outros, mas a comer atende-se apenas ao gosto de cada um]
Ri que chiri, churá que uriná.
[Ri que chiri – ri até não poder mais]
Macaco, macacão, atirá pedra, escondê mão.
Chico pé pesado, mais dançá, mais puxá bafado,
[bafado = cansado]
Nhum raspiate, nhonha não quer,
home cachi-vachi, nhonha dá pontapé,
[raspiate = pelintra; cachi-vachi = grosseiro, imprestável]
Barbeiro bafado comê jangông são comê onsông.
[jangông = milho]
Se compararmos estes ditados com os anteriores verificamos que estão escritos num papiá diferente do anterior. Segundo a Dra Graciette Batalha, trata-se de um papiá mais moderno que o usado nas obras de “Adé” (José dos Santos Ferreira).
Por outro lado, é interessante o facto de os cadernos de apontamentos das senhoras mais idosas de Macau que têm sido objecto de estudo, não se limitarem ao registo dos provérbios em papiá.. No caderno, já referido, de D. Maria Pitter, encontrámos também alguns ditados e frases feitas em português de que se recordava e foi registando, alguns ligeiramente alterados, o que sugere que foram correntes em Macau.
Aqui os reproduzimos:
Quem tem Deus, tem tudo, tem amigos também.
É triste na vida não ter ninguém que nos quer bem.
Tudo acaba no outono da vida, e uma amizade sincera é que fica.
De ingratos está o inferno cheio.
Cessa tudo o que a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta.
Nunca emprestes dinheiro a ninguém
porque perdes o amigo e o dinheiro também.
Dependência nem dos anjos.
A dependência é amarga.
Conforme a cama se estendem os pés.
Longe da vista, longe do coração.
Amor com amor se paga.
Um dia que passa, é mais um passo para a sepultura.
A velhice é uma doença que não tem cura,
só se cura na sepultura.
Pedro nem vê-lo nem tê-lo,
se é preto vendê-lo.
Ver, ouvir e calar, levar a vida a folgar.
Comer, dormir e sonhar, goza a vida até acabar.
Mel não é para a boca do asno.
Fora mel, dentro fel.
Pão de ló de Ovar, mal é começar.
Pão de ló de Alfezeirão, não há comparação.
Roupa suja lava-se em casa.
Antes só que mal acompanhado.
Casa de pai torto, a galinha manda mais que o galo.
Fora pavilhão, dentro compaixão.
Namoro sem beijo é comer macarrão sem queijo.
Homem prevenido vale por dois.
Caldo requentado faz mau bocado.
A força de Macau está na sua franqueza.
A força de Macau está na sua pequenez.
A fechar, deixo-vos as duas quadras seguintes. ambas locais, uma em patuá e outra em português padrão:
Macau terra cristão,
nós todos muito querê.
Vem samatra ou tufão
nós querê aqui morrê.
Macau terra santa
por Deus abençoada,
Aconteça o que acontecer
nunca será abandonada.
Nota da Revista: (Este trabalho é feito com base no livro de provérbios em preparação pelo autor, que terá por título: Toda a Terra é Uma, e a Gente, Quase, Quase…)
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
Páginas digitalizadas do Anuário de Macau, Ano de 1962, o que aparentemente foi o último da série, ficamos aqui a conhecer quem eram as pessoas que ocuparam cargos no – Governo da Província e Repartições Públicas. Mesmo passados mais de 60 anos, agora que estamos na década com início em 2020, muitos nomes ainda estão […]
Hoje, 24 de Junho de 2022, comemora-se 400 anos de “A Maior Derrota dos Holandeses no Oriente” na sua tentativa de tomar Macau dos portugueses. Até a transição de soberania de Macau, de Portugal para a República Popular da China, em 20 de Dezembro de 1999, a data era comemorada como “DIA DE MACAU” ou “DIA DA […]
1 Aqueles bons tempos de Macau, que já não voltam mais, de peças teatrais com participação de macaenses, são recordadas por Jorge Eduardo (Giga) Robarts na sua página no Facebook. Com autorização do Giga, as imagens foram copiadas e editadas, inclusive seus textos. Fazem parte do seu acervo, bem como, partilhadas por seus amigos dessa […]
Comentários