Nesta postagem, Manuel V. Basílio no seu trabalho de pesquisa sobre a história de Macau, vem nos contar sobre a – Primeira Viagem ao Sul da China.
Extraído do seu livro –Sítios com Histórias -volume 2 – o autor também tem seus trabalhos publicados no Jornal Tribuna de Macau.
Texto extraído do livro
SÍTIOS COM HISTÓRIAS
Volume 2
de Manuel V. Basílio (Macau)
Em 1513, Jorge Álvares foi designado pelo capitão de Malaca, Rui de Brito Palatim, para, na companhia de outros juncos chineses, rumar à “terra dos Chins”, tendo ele e outros dois portugueses partido de Pegu, num junco siamês, e dali viajado até ao ancoradouro de Tamão ou Tamang [1], situado na foz do Rio das Pérolas, próximo da ilha Lin Tin (伶仃島 , em cantonense, “Leng Teng Tou”) [2], em cujo local era permitida a ancoragem de barcos estrangeiros de reinos ou estados tributários, provenientes de Malaca, Sião e de outras localidades. A viagem destinava-se a obter informações sobre o Império Celestial e, sobretudo, as espécies de mercadorias que poderiam vir a ser comercializadas. A missão de Jorge Álvares foi bem sucedida e, por isso, foram realizadas novas expedições e, numa das quais, viajou o boticário Tomé Pires, que em 1516 partiu como o primeiro embaixador português enviado à China na frota de Fernão Pires de Andrade, com instruções para negociar junto das autoridades de Cantão e obter a necessária autorização para se deslocar até à capital chinesa, com vista a estabelecer um tratado de paz e de comércio com a China. Quando tudo parecia bem encaminhado, acontecimentos desfavoráveis tiveram lugar, designada- mente o falecimento do imperador Zhengde (正德), em Abril de 1521, acometido de doença súbita e, sobretudo, as hostilidades provocadas, em 1522, na baía de Namtao (南頭 , em cantonense, “Nám T’âu), próximo do porto de Tamão (屯門 , em cantonense, “Tün Mun”) , pela esquadra comandada por Martim Afonso de Melo Coutinho, que foi obrigado a retirar-se, após sofrer uma pesada derrota frente à esquadra chinesa. Este incidente veio a pôr fim à missão diplomática de Tomé Pires, tendo este e os membros da sua comitiva sido presos, acabando por morrer no cativeiro.
Monumento a Jorge Álvares, na Praça de Jorge Álvares, em Macau,
inaugurada a 16 de Setembro de 1954, da autoria do escultor Euclides Vaz. Jorge Álvares foi o primeiro português que chegou à China, em 1513, tendo então aportado na ilha Lin Tin (em cantonense, Leng Teng Tou, ou Nói Leng Teng Tou內伶仃島). Jorge Álvares ficará para sempre ligado à China, visto que faleceu em 8 de Julho de 1521, na sua quarta viagem a Tamão, tendo sido sepultado na ilha de Lin Tin, junto do padrão, que ele havia levantado, e ao lado do seu filho, que ali falecera em 1513. Foto M.V, Basílio, em 2021.
Devido àquele incidente, provocado por Martim Afonso de Melo Coutinho, os chineses bloquearam, a partir de 1523, os portos do sul da China, a fim de impedir a entrada dos barcos de “homens das barbas e olhos grandes”. Só passados vários anos é que Cantão voltou a reabrir ao comércio externo. Entretanto, os portugueses não regressaram aos portos situados no sul, preferindo comercializar noutros pontos mais a norte da costa chinesa, como Liampó (Ningpo ou Ningbo寧波) [3], na província de Zhejiang (浙江), e Chincheu (actualmente, Quanzhou 泉州) [4], na província de Fujian. Foi nesse período que os portugueses tiveram conhecimento da existência do Japão, tendo lá estabelecido relações comerciais a partir de 1543. Com a descoberta do Japão, os portugueses criaram um intenso comércio entre Goa e Malaca com o Japão, cuja rota comercial era muito lucrativa, de tal forma que, a partir de 1550, o comércio com o Japão passou a ser um monopólio, sob a chefia de um capitão-mor.
Mares por onde os portugueses navegaram, desde a costa da da província de Cantão, passando pela costa de Fujian, de Zhejiang, até ao Japão.
Em virtude de a viagem entre a Índia e o Japão ser muito longa, havia toda a necessidade de encontrar um porto de escala no sul da China, não só para um breve período de descanso, como também para o indispensável reabastecimento. Para tal, os portugueses conseguiram reatar o comércio clandestino com chineses e aportar à ilha Sanchoão [5], que naquela altura estava fora dos limites da supervisão do Haidao [6] (ou seja, o Superintendente da Defesa Costeira), ali permanecendo e comercializando clandestinamente, durante um período de tempo.
Provável rota marítima entre Malaca e Tamão, então também conhecida por “Ilha da Veniaga”, ou seja, a ilha onde os portugueses comerciavam.
A situação só ficou normalizada quando, em 1554, Leonel de Sousa conseguiu negociar um acordo com o Subintendente da Defesa Costeira, Wang Bo (汪 柏, em cantonense, Wong Pák), segundo o qual concordava em pagar direitos alfandegários aos chineses, o que constituiu um ponto de viragem nas relações comerciais luso-chinesas, embora tal acordo tivesse sido feito apenas com autoridades locais.
[1] Ainda não está bem esclarecida a localização de Tamão, cujo nome parece derivar de Tün Mun (屯門). Naquela época, Tün Mun situava-se na baía de Namtao, a sul da antiga cidade de Namtao (南頭), que presentemente faz parte de Shenzhen (深圳, em cantonense, Sâm Chân). Também existe uma localidade denominada Tün Mun (Castle Peak, em inglês), nos Novos Territórios de Hong Kong. O historiador José Maria Braga (Jack Braga), baseado num documento divulgado por Luis Keil, identificou o porto de Tün Mun (屯門) com o grande ancoradouro situado entre a ilha de Lin Tin (伶仃島) e a velha cidade de Namtao (南頭). Investigadores mais recentes, com base em fontes chinesas, dizem que a ilha de Tamão, referida pelos portugueses, é a actual ilha de Lantau, e o porto de Tamão era “Tung Chung” (東涌) que era uma ilha (extinta, após a construção do novo aeroporto de Chék Lap Kók 赤鱲角, de Hong Kong), então situada a noroeste de Lantau, onde os estrangeiros de reinos ou estados tributários, que vinham à China, tinham de lá permanecer e esperar para serem vistoriados e anunciados às autoridades competentes, antes de poderem seguir viagem para a cidade de Cantão.
[2] Lin Tin (伶仃島) é uma ilha situada na foz do rio das Pérolas, onde Jorge Álvares desembarcou, em Junho de 1513, tornando-se, assim, o primeiro português a chegar ao sul da China. Conforme informou, levantou um padrão com armas do reino numa ilha, situada muito perto do porto de Tamão, como testemunho da sua missão. Lin Tin era também referida pelos portugueses como ilha da Veniaga. Efectivamente, não existe nenhuma ilha com esse nome, pois “veniaga” deriva do malaio “bernyega”, que significa “comerciar”. Assim, “a ilha da veniaga” era apenas o local onde os portugueses comerciavam, podendo situar-se em Sanchoão, em Lampacau ou em qualquer outra parte da China.
[3] Liampó (Ningpo ou Ningbo) foi o nome dado pelos portugueses não só à cidade de Ningpo, como também a toda a província do Chekiang (浙江 , em pinyin, Zhejiang), onde Ningpo está situada. O porto que serviu como entreposto ilegal do comércio internacional, na época em que o comércio externo era proibido pela China, não era a cidade continental de Liampó, mas sim em Shuangyu (雙嶼), que era um porto na ilha de Liuheng (六橫島), na costa de Zhejiang (浙江), na China.
[4] Tal como Liampó, os portugueses chamaram Chincheu não só à cidade, como também seus arredores, incluindo parte da actual costa norte da província de Cantão, onde então comerciavam. Chincheu é uma transliteração do Chin Chau (泉州), actualmente Quanzhou, em putonghua.
[5] Sanchoão (também conhecida por São João e Sancien) era a ilha onde os portugueses permaneceram, temporariamente, por volta de 1548, ali praticando o comércio clandestino até 1554.
[6] Haidao (海道) era o Intendente da Defesa Costeira, cuja transliteração para português é Aitão.
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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Muito obrigada pela partilha. Aproveito para pedir 1 favor. Será que me podiam reencaminhar o post do Manuel Basílio sobre a derrota dos holandeses há 400 anos? Queria partilhar no nosso “Qui Nova?”, da Casa de Macau em Portugal, por ocasião do próximo 24 de Junho. Agradeço imenso! Um abraço da Majão Ferreira
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