Se me permite, Ana Maria Amaro, estou a publicar uma “aguarela” do seu livro, uma edição CTMCDP-Fundação Macau publicada em Macau no ano de 1998. Muito agradecido:
Natal em Macau
A noite desceu, manto violáceo manchado de nuvens a semi-ocultar uma lua baça quase em plenilúneo. Uma aragem mais fria do que tépida levanta golas e desperta abafos dos seus recantos rescendentes a cânfora.
As eufórbias vermelhas, de grandes brácteas como penas de asas de fenix em vôo, oscilam numa cadência que a brisa embala. Pelo ar os acordes monótonos de instrumentos de corda e a voz lânguida duma cantatriz chinesa dobram a voz do vento em sons talvez só compreensíveis pelos Gênios.
Um vendilhão rasgou o lilás da fluorescência dos candeeiros que semeiam círculos pela rua enegrecida, apregoando jornais: – iat-pou! Um grupo barulhento, onde duas ou três raparigas de calças afusadas e reluzentes min-hap se confundem com outros tantos casacos ocidentais axadrezados, seguindo alguns homens de fatos de bom corte, passaram sobraçando malas sacos e embrulhos. Recém-chegados de Hong Kong, por certo chineses cristãos, vinham passar a consoada com a família de Macau. Três pivetes pintalgam de rubro cendrado a borda dum passeio. Vindo de longe adivinha-se o movimento da cidade afadigada nas últimas compras.
Lojas engalanadas e policrómicas nos seus vistosos ademanes de papel pejados de flores, de muitas flores artificiais de todos os tons, aliados à púrpura e aos estanhados a reflectir mil luzes.
De quando em quando sobe no ar o som alegre do estralejar de panchões. Das casas européias alcançam a rua cheiros adocicados a frituras, a açúcar queimado e a azeite a ferver.
Nas casas macaenses estão já prontos fartes coscorões e aluá, o famoso colchão do Menino Jesus com a sua mantazinha e a almofada.
No forno cozem as empadas de garoupa desfiada, assadas nos pires, recheadas de ovo cozido, açafrão e pinhões de azeitonas chinesas.
Sobre os velhos armários alinham-se laranjas de casca fina como pepitas de ouro a atrair felicidade e abastança.
Tudo a postos para a consoada depois da Missa do Galo.
E eis que no meio daquela atmosfera de festa, atmosfera difusa que mais se sente em cada coração saudoso de uma infância passada em Portugal do que no ambiente que nos envolve, surge um velho alquebrado, comendo enquanto avança míseros restos de comida recém-lançada na sua tigela estalada e envelhecida de tantas vezes ser estendida à caridade de quem passa.
É um pobre. Esfrangalharam-se as vestes sem cor mas têm mil cores os farrapos que traz atados aqui e além. Dobrado sobre o peito avança vergado pela fome e pela miséria impiedosa. É já velho e doente para guiar triciclo ou trabalhar nas hortas. Fugiu da China há muito tempo. Recorda a sua Pátria com saudades e com terror. Onde estará a sua família? Dispersaram-se todos na altura da fuga. Foi o medo que os dispersou. Ele, o mais velho, o avô, conseguiu, um dia, chegar a Macau. O homem, como uma sombra avança pelo passeio. Pára aqui e espreita a greta de luz escoada duma porta. Ultrapassa os pivetes que ardem rua além e espera, ao frio, que outra porta se abra e mais alguns bagos de arroz caiam na sua tigela.
Estralejam mais panchões na noite sem luz.
Ouve-se um riso distante. Num riquexó, empunhando grandes balões de cor e alguns brinquedos coloridos, passa uma criança sentada ao lado da mãe.
Além, numa janela, vêem-se acender e apagar ritmicamente as luzes coloridas duma árvore de Natal em plástico, onde as pratas fazem brilhar neve nos flocos de algodão que nos recordam quadros da infância passada.
Em breve os sinos virão repicar chamando os fiéis para a Missa do Galo, onde irão beijar mais ou menos devotamente a imagem em marfim do Deus-Menino.
Nasceu Jesus, Hossana!
Véus pretos, trajos escuros, alguns casacos de peles vestidos pelas mulheres do Ocidente; min-hap de seda usados por algumas portuguesas de Macau, Igrejas plenas de luz, missais abertos, círios tremulantes.
Nasceu Jesus! Natal Bendito! Festeja-se o Rei dos Reis. O Pai dos humildes, o redentor da Humanidade.
Caem algumas gotas duma chuva miudinha e fria e ouve-se o tilintar de alguns avôs em pobres tigelas que nos degraus das igrejas se estendem.
Alua – Doce característico do Natal macaense feito com jagra, amêndoas, coco, pinhão chinês, farinha e manteiga. Poucas são já as doceiras locais que o sabem preparar
Min-hap – Casacos chineses em seda, acolchoados
Pinhões chineses -Amêndoas das sementes de azeitona chinesa (Canarium álbum Raeusch).
foto do doutoramento – Revista Macau Março 1994
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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