Equipa do “Tenebroso”, já equipada a rigor e com taças, em 1935-36
Quando ainda jovem, ouvia a minha mãe Maria Marcelina Dias da Luz falar do “Tenebroso” do qual era torcedora. Na época da existência do grupo desportivo, a minha mãe vivia a sua juventude de 17 a 20 e tal anos. Pensava sempre comigo que precisava achar algo a respeito do grupo, e foi na Revista Macau de Novembro de 1994 (II Série nº 31) que achei um artigo da Cecília Jorge, a quem os macaenses muito devem pelo belo trabalho, em conjunto com Rogério Beltrão Coelho, em prol da memória macaense. O encarte “Estórias do Tenebroso” faz parte do artigo sobre o macaense Luís Gonzaga Collaço, que modestamente questionava a entrevista – “Sou pobre. Não sou ninguém. Ninguém me conhece”. Mas depois de ler o artigo, pode-se dizer que a riqueza material pouco interessa, mas a sua memória de “elefante” a lembrar coisas de Macau tem um imenso valor. Se ninguém o conhecia, depois do artigo publicado, muitos passaram a conhecê-lo e ainda, depois da publicação no site Projecto Memória Macaense, em breve, sua memória será eternizada.
E, assim a Cecília Jorge escreveu:
(crónica copiada diretamente da Revista Macau, a quem agradecemos pela suposta autorização, extensivo à autora)
Estórias do “Tenebroso”
“O Tenebroso” era formado por jovens simpáticos, uma mão-cheia de atletas que deixaram boas recordações aos que ainda se lembram dos seus brilharetes desportivos durante quase uma década.
Falar nas memórias do Piolho (Luís Gonzaga Collaço) e não referir “o Tenebroso” seria imperdoável. Nele alinharam o Collaço e mais dois irmãos, Joaquim e António, este último considerado um dos mais completos atletas do seu tempo: quer no atletismo, quer no futebol.
O Grupo Desportivo O Tenebroso foi fundado em princípios dos anos 30, por Manuel de Jesus (o Manecas), na altura subchefe da PSP. Os rapazes treinavam-se na zona da “avenida” (Vasco da Gama), passando posteriormente para o chamado “bairro da Cadeia”.
Muitos deles (como o famoso Cheiney Airosa) eram ex-membros do Sporting Clube de Macau, e havia também grande rivalidade entre estes e a Associação Desportiva Macaense (ADM), dirigida pelo Vaz, então dono da Leitaria Macaense. Aliás, o próprio fundador do “Tenebroso” a dada altura largou o grupo – abandonando a camisola dos “T” – e foi a correr fundar outro não menos conhecido: o “Argonauta”, cuja sede se manteve até há poucos anos na rua do Campo.
Portanto, grupos desportivos havia uns quantos, numa alegre desorganização, e com falta de tudo, horários, disponibilidade, equipamento. Longe estavam ainda os tempos das associações de estrutura rígida, com regulamentos, calendários, subsídios oficiais e campeonatos. Para além do “T”, Luís Collaço lembra-se que havia na altura, o grupo desportivo da Polícia (a reunir portugueses e chineses), o da Artilharia de Campanha e o da Infantaria, no quartel de São Francisco. Dos chineses, os mais conhecidos eram os de Kong Caio do bairro de São Lázaro) e o de San Kiu, do bairro do mesmo nome.
Jogava-se muito, e jogava-se bem e com gosto, recorda, insistindo no civismo que marcou sempre os desafios de futebol e a grande mágoa que lhe causa agora contrastar essa época com a actualidade – sobretudo porque nunca deixou de ler os jornais, ver televisão e ouvir rádio – e verifica que, além de se engalfinharem, os jogadores se voltam contra o árbitro, chegando a vias de facto.
Sem taças ou medalhas, na altura jogava-se futebol apenas por amor à camisola e pelo gosto de triunfar. Equipamento e bolas também não havia, e muitas vezes foi sina do “Tenebroso” jogar com um simples calção branco e a camisola de alças, depois já ornamentada com o “T” da praxe, quando começaram a ter nome… Até que um dia, alguém de posição e posses, pela grande simpatia que lhe despertava aquele grupo de bons atletas “rafeiros”, se lembrou de lhes custear um equipamento completo: calção, camisola, peúgas e, melhor que tudo, sapatilhas e bolas de futebol. Vestiu e calçou quer a primeira, quer a segunda divisão do “Tenebroso”. Adolfo Jorge, o advogado, fê-lo por interposta pessoa, mas fê-lo pela representatividade de Macau, porque oito ou nove dos jovens do grupo Já integravam a selecção nos jogos com Hong Kong.
“Combinavam-se” jogos e os campeonatos anuais, não só de futebol, mas também de atletismo, e o “Tenebroso” foi vitorioso praticamente anos a fio, tendo perdido apenas duas ou três vezes o título de campeão até se desmembrar, depois da Guerra, com a saída de vários jogadores. Os árbitros eram convidados na véspera do encontro ou escolhidos na altura, e fosse qual fosse a arbitragem, os jogadores respeitavam-na. Mas havia dois mais respeitados: o Chico Constando e um tal cabo Santos, do quartel da Infantaria.
Os encontros dos macaenses com a tropa eram renhidos e bem disputados no recinto, mas independentemente do resultado, a rapaziada acabava com palmadas nas costas e numa valente jantarada na messe, sendo convidados para comer o “rancho” com os militares.
Em atletismo, o “Tenebroso” marcou também pontos nas provas disputadas tradicionalmente na Páscoa. Das medalhas é que ficaram por vezes apenas recordações, tal como em 1935: tendo ganho as estafetas nos 800, 400, 200 e 100 metros, Fernando Morais, Vítor Souza, Manuel Rego e Luís Collaço ainda hoje estão por saber o que foi feito das medalhas respectivas…
Com o desmantelamento do “Tenebroso” depois da Guerra, Collaço ainda participou num grupo desportivo nos seus tempos de funcionário das Obras Públicas. Sabendo-se que são necessárias duas equipas para disputar um jogo de futebol, e tendo formado, no caso, duas equipas igualmente representativas daquela repartição do Estado, avançou-se com uma solução brilhante: uma era a equipadas “Obras Públicas” e outra, a das “Públicas Obras”.
Mas das especificidades do desporto de então, “falam” hoje melhor as fotos…
Vencedores das estafetas de 1935 (da esquerda) Luís Collaço, Manuel Rego, Vitor Souza e Fernando Morais
Provas de corrida, 1935 (da esquerda, fila de trás) Frederico Pedruco, Joaquim Collaço, Alberto Cortiço, João Coelho, Delfim Carvalho (King Kong), António Collaço; (filas da frente) Paulo Rocha, Nino Santos, César Amarante, Luís Collaço, Fernando Morais, José Cortiço, Manuel Rego e Vítor Souza.
* publicação desta postagem dedicada à memória da minha mãe
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
Não poderia este blogue deixar de fazer mais um registo histórico de uma tradição mantida na Macau do ano de 2023, hoje, território da República Popular da China. Assim, o nosso colaborador, Manuel V. Basílio, macaense residente em Macau, nos dá o relato, com fotos, sobre a procissão de Nossa Senhora de Fátima realizada no […]
No Anuário de Macau do ano de 1962, nas páginas finais, vários anúncios publicitários encontravam-se publicados, os quais, reproduzimos abaixo para matar as saudades de quem viveu aquela época de ouro, ou então, para curiosidade daqueles que possam se interessar em conhecer, um pouco mais, aquela Macau de vida simples, sem modernidade, mas, mais humana.
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