POESIA E PINTURA NA ESTÉTICA CHINESA CLÁSSICA
Os fragmentos de verdade que perseguimos são como borboletas: ao aprisioná-las acabamos por as matar. Ao contrário da poesia ocidental, construída em tomo da voz de um sujeito que pela palavra se diz, a poesia chinesa deixa crescer o silêncio, abre espaço ao vazio e por entre esse buraco negro, cuidadosamente tecido, deixa exorbitar o sentido.
Che Ho, “Vento e chuva pelo rio da Primavera”, 1993. Aguarela/aquarela sobre papel de arroz
TRADUÇÕES DE POETAS CHINESES CLÁSSICOS
Referimos as dificuldades que as traduções de poesia chinesa comportam. Não são apenas escolhos de uma língua escrita que funcionava como uma espécie de koiné, quer dizer, um código restrito a um certo uso. Trata-se sobretudo de uma língua que explora infinitamente a sugestão por meio das suas possibilidades sin-tácticas e morfológicas — o que as línguas ocidentais têm dificuldade de captar.
Ainda assim, todos os esforços que intentam a tradução devem ser encorajados e acarinha-dos, sendo aliás de grande interesse versões várias que possibilitem reflectir sobre a questão genérica das traduções português-chinês.
É da autoria de Graça de Abreu a divulgação de três poetas maiores da dinastia Tang: Li Bai (701-762), Bai Juyi (772-846) e Wang Wei (701 -761). Indico a ordem de publicação que, suponho, será em breve acrescida de outros poetas.
São de grande riqueza informativa as introduções que Graça de Abreu acrescenta a estes volumes, mas chamo a particular atenção para um fragmento incluído no volume sobre Li Bai onde coteja as diversas traduções do poema que intitula “Lamento nos Degraus de Jade”, É de facto um primeiro passo para uma teoria da tradução literária que falta empreender para que a divulgação das duas culturas adquira uma consistência que, por vezes, o improviso generalizado não permite vislumbrar. Se a França possui uma prestigiada Escola de Extremo Oriente com muitas décadas de existência, para quando os primeiros passos da nossa própria escola?
Apresento quatro poemas de três poetas nas versões de Graça de Abreu e de Gíl de Carvalho, outro interessado tradutor de poesia chinesa que publicou em 1989 uma Antologia que começa no Livro dos Cantares, Shíjing (1000-600 aC), o livro canónico que se julga ter sido compilado por Conf úcio, e termina com um dos últimos grandes poetas clássicos, Wahan Xingde (1655-1685).
As composições que escolhi evocam as pinturas chinesas que privilegiam a paisagem (montanhas). A natureza não tem a mesma importância em todos estes poetas, mas está presente em todos eles. Em Li Bai, o poeta taoista procura fundir-se com a natureza onde encontra o seu ser e a sua paz. Assim, as montanhas e rios, nuvens e céu, são companheiros do sujeito solitário, que aí procura o sentido mais geral do universo.
Mas é a poesia de Wang Wei que melhor se constrói como pintura. Aliás o poeta era também pintor, embora se tenha perdido toda a sua obra pictórica. Contudo, como referi, a sua pintura, que se sabe renunciava ao emprego de cores para jogar com o preto e o branco, não corresponde às paisagens dos seus poemas que parecem antecipar a pintura do período Song. De facto, os grandes caiígrafos e pintores dessa época deixam de propósito vazios e espaços em branco a fim de serem preenchidos com inscrições que em grande parte eram poemas
Além disso, essas pinturas insistem na sugestão, enquanto as obras do período Tang são ainda prisioneiras de uma rigidez arcaica, além de serem desenhos meticulosamente explícitos. Ao contrário dessa pintura, Wang Wei escolhe um estilo poético dominado pela sugestão. A escolha de motivos é bastante diferente dos seus contemporâneos Du Fu e Rai Juyi, preocupados sobretudo com os problemas sociais e políticos. Wang Wei está longe desta poesia do Mundo e concebe a vida como a procura da Via, empenhando-se com todas as forças para se ultrapassar a si próprio. A influência do taoismo e do zen levam–no a procurar o caminho da Natureza que ele opõe ao Mundo.
Mas a marca maior da sua poesia é a consciência da identidade entre poesia e pintura como sublinha nos versos traduzidos por Graça de Abreu: Numa outra vida, o acaso fez de mim poeta,/numa outra existência, o destino fez de mim pintor.
Ho Tzu, “A flauta de jade”. Pintura para o poema de Li Bai
WANG WEI (701-761)
O Parque dos Veados
Solitários montes, ninguém à vista,
Ecos somente de vozes humanas.
Um sol tardio entra no bosque fundo.
Brilha de novo o verde musgo.
[trad. Graça de Abreu]
RAI JUYI (772-846)
Uma nuvem no alto da montanha
Uma nuvem branca no alto da montanha,
intacta face ao avançar da manhã.
O trigo ressequido no campo
perde o viço e o verde.
O homem cresce e murcha,
cumpre e concretiza o quê?
Não pode transformar-se em chuva
e seguir o vento Leste.
[trad. Graça de Abreu]
(extraído do artigo de Ana Paula Laborinho – Revista Macau de Janeiro 1994)
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
Não poderia este blogue deixar de fazer mais um registo histórico de uma tradição mantida na Macau do ano de 2023, hoje, território da República Popular da China. Assim, o nosso colaborador, Manuel V. Basílio, macaense residente em Macau, nos dá o relato, com fotos, sobre a procissão de Nossa Senhora de Fátima realizada no […]
No Anuário de Macau do ano de 1962, nas páginas finais, vários anúncios publicitários encontravam-se publicados, os quais, reproduzimos abaixo para matar as saudades de quem viveu aquela época de ouro, ou então, para curiosidade daqueles que possam se interessar em conhecer, um pouco mais, aquela Macau de vida simples, sem modernidade, mas, mais humana.
Páginas digitalizadas do Anuário de Macau, Ano de 1962, o que aparentemente foi o último da série, ficamos aqui a conhecer quem eram as pessoas que ocuparam cargos no – Governo da Província e Repartições Públicas. Mesmo passados mais de 60 anos, agora que estamos na década com início em 2020, muitos nomes ainda estão […]
Há uma leveza quase imaterial e uma doçura dos sentidos nos desabafos poéticos que a alma desses artistas vivos há tantos séculos ainda hoje, neste tempo de desvario nos oferecem. A Pintura transpira uma delicadeza amorosa no retratar da perfeição da doçura feminina e no admirável desenho dos corpos. (Quinto Barcelos, Mestre, F.L.U.Porto, professor e curso de História da Arte, F.L.U. Coimbra.
Tocante a pintura de Che Ho. Amo a pintura e a poesia clássica chinesa. Falam ao nosso interior.
De fato Cristina, são lindas. Obrigado pelo comentário.