Cronicas Macaenses

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O navio de guerra “Gonçalves Zarco”

Sob o título “A última missão naval de soberania no Oriente”, Eduardo Tomé escreveu para a edição da Revista Macau de Fevereiro de 1997 um relato da etapa final de vida deste aviso de 2ª classe “Gonçalves Zarco”.  Quem viveu em Macau nos anos 50 e 60 deve-se lembrar bem deste navio de guerra que cumpriu a sua missão na Índia portuguesa, Timor e em Macau.  No texto abaixo, Eduardo cita que foi o “último navio da Armada (portuguesa) que esteve em comissão de soberania em Macau“.

Triste é contar a sua melancólica chegada a Lisboa a 16 de Maio de 1964, após ter cumprido a sua gloriosa missão no Oriente.  “A aguadar a tripulação no cais estavam apenas os familiares, nada de entidades oficiais, nem mesmo da marinha, tão pouco a imprensa. Restava-lhes a consolação do dever cumprido e o feito de terem conseguido trazer para Portugal aquela relíquia naval, que, com galhardia, desempenhou durante nove anos consecutivos a última missão de soberania de um navio da Armada Portuguesa, nas águas de Macau e Timor“.  Assim Eduardo Tomé encerra o seu artigo.

(clicar nas imagens para aumentar)

A guarnição do aviso na Parada do Dia de Portugal, protagoniza o último desfile dza marinha de guerra portuguesa em Macau

No mesmo artigo, Eduardo Tomé insere um histórico sobre os dois navios gémeos Gonçalo Velho e Gonçalves Zarco.  Ao ver a foto do navio Gonçalves Zarco transformado no batelão “Olisipo”, totalmente descaracterizado, ocorreu-me na memória o triste fim da estátua do Governador Ferreira do Amaral.  De facto, tristes fim de símbolos nacionais (portugueses).

O TRISTE FIM DE “VELHAS GLÓRIAS” NAVAIS

Encomendados a um estaleiro de New-castle, respectiva­mente em Março e Agosto de 1933, os gêmeos “Gonçalo Velho” e “Gonçalves Zarco” navegaram pela primeira vez, desde a velha Álbion até Portugal, onde na sua qualidade de avisos de 2.a classe, foram aumentados ao efectivo dos navi­os da Armada.

Tratava-se de navios exactamente iguais, que deslocavam 1413 toneladas no máximo; um comprimento de fora a fora de 81,5 me­tros, 10 metros de boca e um calado máximo de 3,3 metros; uma velocidade máxima de 16,5 nós e 11 nós cruzeiro, a que correspondia uma autonomia de 9830 milhas; as máquinas, dois motores movidos a turbinas, duas caldeiras, com uma potência de 2000 SHP e utilizando combustível fuel-oil; o armamento constituído por três peças de 120 mm e duas de 40 mm; a lotação recomendada de 119 homens.

O “Velho” efectuou quatro comissões de serviço em Macau, entre 1937 e 1954, tendo sido abatido ao efectivo em 1961.

Por sua vez, o “Zarco” efectuou três comissões de serviço no território, em 1934,1939, e a última entre 1955 e 1964, portanto nove anos, durante os quais passou 17 meses na então índia portuguesa, 20 em Timor e os restantes na Cidade do Nome de Deus e a navegar. Tendo sido o último navio da Armada que esteve em comissão de soberania em Macau, de onde regressou em Maio de 1964, sendo abatido ao efectivo em Novembro desse ano, seria então o navio de guerra mais velho em serviço, em todo o mundo.

Dos seus 31 anos no activo, o “Gonçalves Zarco” passou 20 fora dos portos do continente; as máquinas trabalharam cerca de 31 mil horas e as caldeiras 37 mil e quinhentas; percorreu 366 mil e quinhentas milhas, o equivalente a 17 voltas à Terra, pelo Equador, tendo suportado dois violentos tufões, o “Glória”, em 1957, em Macau, e o “Wanda”, em 1962, em Hong Kong, causadores de inúmeros naufrágios nesses portos.

Os cascos do “Velho” e do “Zarco” foram adquiridos pela Empresa de Tráfego e Estiva, que os mandou cortar ao nível do convés corrido e adaptar a batelões de transporte de carvão, minérios e cereais. Baptizados respectivamente “Calíope” e “Olisipo” permaneceram em serviço até 1994, ano em que foram vendidos para a sucata e desmantelados. Tão triste fim, para tão gloriosas existências.

Aguarela/aquarela do Gonçalves Zarco pelo capitão-tenente Manuel da Silva Rodrigues

O batelão “Olisipo”, ex-Gonçalves Zarco desmantelado em 1994

6 comentários em “O navio de guerra “Gonçalves Zarco”

  1. Fátima Rêgo
    14/10/2018
    Avatar de Fátima Rêgo

    Os meus embarcaram neste navio, de Díli para Darwin, a 5 de Setembro de 1963. De acordo com os registos do porto de Díli, o único navio a sair foi precisamente o Gonçalves Zarco, em direcção a Oé-Cussi e depois a 9, com rumo a Darwin. Obrigada por me terem dado mais uma recordação desses tempos.

    • Olá Fátima Rêgo, agradeço o bom comentário e feliz por ter contribuído para essa recordação. Abraço, Rogério P D Luz

  2. Antonio Condeco.
    11/01/2018
    Avatar de Antonio Condeco.

    Estive a bordo deste navio de guerra a convite da tripulação,quando eu tambem era entao militar do E.P.onde almocei na companhia dos então camaradas da M.P. É com muita nostalgia que me lembro e falo daquela GLÓRIA.

    • Que bela memória para se guardar António. Abraço, Rogério PLuz

    • Jorge Ramos
      12/01/2018
      Avatar de Jorge Ramos

      É com muita alegria que vejo estes comentários, o meu pai era torpedeiro detector neste navii e faleceu à uns anos e o que eu adorava era quando ele contava as histórias que passou a bordo deste magnífico navio. A história que ele contava era qd tinham que ir ou em missão de guerra ou exercícios, tinham de colar fita cola nos vidros devido ao poder das peças quando disparavam. Obrigado por alguém se lembrar…

  3. Jorge Ramos
    27/08/2012
    Avatar de Jorge Ramos

    O meu Pai que serviu tantos anos a bordo deste magnifico navio de guerra com a especialidade de Torpedeiro detector, morreu á meia duzia de anos, e é triste saber que este navio que tanto fez pela marinha portuguesa tenha tido este triste fim, mas em Portugal estamos habituados a estas coisas… triste… Um bem haja a todos os tripulantes do Navio de Guerra Portugues ” Gonçalves Zarco” Escolinhas para sempre…..

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

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O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.

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