No seu livro publicado em São Paulo, Brasil, em 1965, <Fragmentos do Oriente>, a escritora macaense Alda de Carvalho Ângelo recorda os velhos tempos de convívios nos restaurantes chineses: <culau> em Macau, provavelmente nos anos 40. É um costume que ainda se mantém em Macau (ex-colónia portuguesa na China) com algumas alterações. As fotos do meu acervo são dos anos 50 e 60 em Macau:
CULAU
(restaurante chinês)
um texto de Alda de Carvalho Ângelo
“Vamos jantar no culau?” — Que frase mais grata ao ouvido! Que infelizmente há muitos e muitos anos não tenho o prazer de a ouvir. “Ah! saudades desses tempos que já lá vão!” — Como gosto de me sentar esquecida num canto, no meu canto preferido e deixar correr o pensamento para os tempos em que essa expressiva frase “vamos jantar no culau” era bem possível, bem praticarei. Não precisava ser festa, data especial, comemorações para nos darmos ao luxo de comer num culau. Qualquer alegria era pretexto. Qualquer pretexto era alegria. Por que não se pode pensar em comer no culau e se sentir triste ao mesmo tempo. Pelo menos, aparentemente, momentaneamente, todas as tristezas são relegadas ao segundo plano e a alegria reina única e exclusiva. Por que?
Ah! o por quê! o por quê de tudo nesta vida. Por quê… Vamos jantar no culau?” — Vamos! É aniversário? Está certo, É aumento de salário? Está certo. É rateio? Também está certo. Não importa quanto venhamos a pagar, contanto que seja uma noite de alegria. E os grupos — 8, 9, 10 — 20 — 100 ou mais — o número também não importa. Contanto que não seja de menos. Porque não se vai só a um culau! Nem a dois, nem a três. nem a quatro. O interessante dez no mínimo! E, quanto mais frio, melhor! Mais vontade de comer! Maior o apetite! Mais necessidade de sentirmos o calor da alegria, o aconchego dos amigos!
Paremos à porta. O restaurante pode ser de luxo, pode ser modesto, pode ser mais ou menos, de aspecto velho e pobre. Não importa. Passemos para o lado de dentro. Subamos a escada ou entremos no elevador. As salas são divididas em reservados, separados por portas desmontáveis e dobráveis. Cada reservado comporta 10 a 12 comensais. Maior número de comensais maior o espaço do reservado. É só desmontar a série de portas que separa um reservado do outro. Uma sala é passível de receber até mais de cem comensais, bastando para isso desmontar todas as separações. Era assim no tempo em que eu estava na China.
Vamos ao nosso jantar. Geralmente entramos num culau às 6,30 ou 7 horas e só daí saímos entre 9 e 10 horas. Isto é, quando alguém, ou melhor, ninguém inventa jogar o Majong. Nesse caso, a ida para o culau é às 5 da tarde ou mais cedo e a saída talvez à meia noite.
O reservado, dependendo do restaurante, é geralmente espaçoso, podendo 10 a 12 pessoas mover-se à vontade. No centro, uma grande mesa redonda, à sua volta, 10 a 12 banquetas (hoje se usam cadeiras). Ao fundo, perto da janela, um grande canapé, sobre o qual se pode estirar, querendo. Ao longo das paredes laterais cadeiras e mesinhas de pau preto, dispostas de forma a que cada mesinha é ladeada por duas cadeiras. Sobre as mesinhas quá-chi à vontade. O quá-chi (pevide – semente de melancia), vermelho ou preto, serve para “fazer-a-boca”, expressão macaense que quer dizer “mordiscar, entreter a boca, enquanto espera”.
O Fó-quei (o garção chinês) anota a lista dos pratos com um ou dois do grupo. Os outros, com uma perícia extraordinária, seguram a parte chata da pevide com os dedos polegar e indicador da mão direita, introduzem o quá-chi pela aresta entre os dentes, dão uma ligeira mordida, entreabrindo assim as duas cascas; giram ligeiramente de modo a que a parte chata fique para cima e, com a ponta da língua, afastam imperceptivelmente as duas metades da casca, e, novamente, com os dentes, como uma pinça, seguram a minúscula amêndoa e, uma vez a amêndoa bem segura pelos dentes… a casca é puxada para a frente estre os dedos indicador e polegar. Toda essa operação é concluída em frações de segundo. E ao mesmo tempo que os dedos e os dentes trabalham, a conversa se generaliza numa alegre vozearia.
O Fó-quei, completamente alheio ao que fazem os comensais, continua sua rotina. Sai com a lista de pratos, volta pouco depois, estende a toalha na mesa, arruma os vun (tigelinhas e os fát-chi (pauzinhos); sai novamente, volta com as toalhas perfumadas e, à cada um dos comensais, oferece uma toalha para limpar as mãos. (As toalhas perfumadas são trazidas novamente no meio do jantar e quase no final).
Os primeiros três ou quatro pratos são para abrir o apetite: um pratinho de pei-tán (ovos pretos transparentes. São ovos que foram envolvidos em cal e enterrados por um mês ou mais. Fazem muito bem à saúde). Esses ovos cortados em oito em sentido longitudinal são servidos com fatias de gengibre. Um pratinho de chouriço china (lap-cheóng) cortado enviesado, bem fininho; um pratinho de peixe salgado…
Segue-se uma sopa ou caldo, geralmente preferimos o gui-chi-tóng (sopa de barbatana de tubarão), e, sem pressa, com todo o vagar, com a lentidão que caracteriza os jantares chineses, um prato após outro é servido: carne, frango, porco, ovos, camarões, miúdos, carangueijos, verduras… sem acompanhamento de pão nem de arroz, Tudo isso para comermos lentamente, acompanhado de vinho de fermentação de arroz e… muitas risadas e conversas.
E, no fim, quando já estamos quase nos rebentando de cheios, é servido o arroz chau-chau, em chinês cháu-fán, arroz frito com ovos, camarão, chouriço china e…
E já cansados de tanto comer, a nós mesmos prometemos que, no futuro, seríamos mais comedi dos, que espaçaríamos os jantares no culau, que…
Esquecidos os primeiros momentos de mal-estar de super-cheios, lá estávamos nós, dias depois combinando novamente para novo jantar no culau…
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.


Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.


cartaz de Ung Vai Meng

O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.

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No Anuário de Macau do ano de 1962, nas páginas finais, vários anúncios publicitários encontravam-se publicados, os quais, reproduzimos abaixo para matar as saudades de quem viveu aquela época de ouro, ou então, para curiosidade daqueles que possam se interessar em conhecer, um pouco mais, aquela Macau de vida simples, sem modernidade, mas, mais humana.





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