Com a marcante imigração chinesa aos países de língua portuguesa, como o Brasil e Portugal, a população local deve ter vivenciado o esforço dos imigrantes orientais a falar o português, cujo conhecimento só o adquirem no dia-a-dia, a exemplo dos comerciantes em São Paulo, na região da Rua Vinte e Cinco de Março ou no bairro de Liberdade.
Em São Paulo, essas dificuldades chinesas ou o que se refere a eles, já têm uma denominação em tom de brincadeira de “chin-gue-lin“. Não saberia dizer por Portugal, que também registrava (ou registra?) um aumento da imigração chinesa, desconhecendo a atualidade, pois os chineses gostam de países com boa situação econômica e moeda forte.
Assim, este texto “Subdialecto” de Cecília Jorge, inserido no seu artigo “Intérpretes-Tradutores, a Ponte da Coexistência” publicado na Revista Macau edição de Novembro de 1992, na atual Macau chinesa, devolvida para a China em 1999, já é uma situação do passado dos tempos dos portugueses, e de um modo, atual, nos países da lusofonia. Hoje Macau vivencia a morte lenta da língua portuguesa, apesar de esforços e declarações otimistas de catedráticos e alguns setores. Na prática, são poucos os heróicos macaenses que ainda insistem a falar o português, além dos trabalhadores portugueses vindos de Portugal, sem falar dos poucos brasileiros que lá residem. Percebe-se uma preferência para falar em chinês e o inglês, numa fluência que não se via nos meus tempos dos anos 60.
O “SUBDIALECTO”
por Cecília Jorge – Revista Macau/Novembro de 1992
Uma especificidade pouco estudada em Macau, talvez por distracção ou pela sua aparente insignificância, tem muito a ver com a vivência, aqui, da comunidade macaense ou macaísta. E terá, decerto, tudo a ver com a forma pacata como ela conviveu durante longos anos paredes-meias com a outra comunidade, a chinesa.
Trata-se do “subdialecto” que, embora parco em vocabulário próprio, foi forma de comunicação fluida, quase exclusiva entre macaístas e cantonenses no trato diário, até provavelmente finais da década de 60. Foi-se apagando com o desaparecimento dos falantes, muito acentuado na recessão das décadas de 50-60, quer portugueses quer chineses, e da renovação de imigrantes sem quaisquer raízes ou afinidades com este território e as suas gentes.
Fruto de uma consulta aos manuais de ensino de Pedro Nolasco da Silva e de Luís Gonzaga Gomes e de pesquisa junto dos residentes chineses antigos, apontam-se aqui algumas das expressões desse jargão sino-luso que aos chineses recém-chegados apenas merecem um franzir de sobrolho e encolher de ombros:
Câmara — Kâm-pá-lá: designava o que actualmente se conhece por Leal Senado, ou si tchêng t’éng, liceu (lêi-siu) e Central, a escola (cen-tá-lau).
Tomate (tái-má-ti), batata (bá-tá-tá), reconhecíveis à primeira vista, coexistiam, para os chineses, com os vocábulos fán-ké (“pomo estrangeiro”) e hó-lan-sii (“pomo da Holanda”, nome que se deve ao facto de se confundirem portugueses com holandeses). Café (cá-fé), que ainda hoje se usa, tem uma nuance. Se o pedir numa pastelaria chinesa servem-lhe decerto café com leite (o dito galão), porque simples, diz-se tchêng-fé ou tchái-fé, ou seja, mantiveram o segundo fonema e acrescentaram-lhe outro que significa, no primeiro caso “só” (ou simples) e no segundo “dieta”.
Bacalhau, reconhece-se hoje no ma-ca-iau, mas Gonzaga Gomes preferiu, para o traduzir, a designação man-ü, nome de um peixe similar mais conhecido nestas paragens.
De importação inglesa, directa ou por via de falantes macaístas que também as utilizavam, temos: clube, club (k’ôi-lóc-pou); uísque, whisky (vai-si-kei); geleia, jelly (tché-lêi);queijo, cheese (tchí-si); selo, stamp (si-tám). Champanhe, Champagne, que começou a chamar-se sám-pin (“três lados”!), é hoje héong-pan (“aromático”). Os caracteres escolhidos para torrada, toast (tó-si), eram os mesmos que, arrumados ao contrário davam o store, loja (si-tó)… Aliás o chinglish, alvo de estudo em Hong-Kong, já constava há décadas no milenar Tong-Seng, calendário e almanaque lunar chinês.
O apreciadíssimo ice-cream, está generalizado como süt-kou (creme gelado), mas o poeta macaense José dos Santos Ferreira recorda num seu poema saudoso, o pregão do sorveteiro nas ruas de Macau “que-lím”! Mais tarde, que-lim ou ki-lim vulgarizaram-se na estreia das natas frescas e do chantilly.
Mas havia vocábulos de uso restrito que não provinham de transliteração fonética como os outros: açorda e azeite de oliveira.
À açorda chamavam-lhe nas casas de pasto e as próprias cozinheiras chinesas min-pau-ú (v. Gonzaga Gomes) ou seja, “caldo grosso de pão”. O termo, tal como o consumo desta especialidade tão cara aos portugueses, não se generalizou e quem sabe se devido ao horror que aos chineses causava o pão ensopado?
Sáng-tchói-iau, azeite, equivale a “alface, óleo” ou “cru,vegetal,óleo”, consoante a arrumação dos caracteres. Tem uma história curiosa, aparentemente com várias versões mais ou menos credíveis. Trazido pelos portugueses e com um nome difícil de pronunciar, passou a ser designado pela função que cumpria: era o óleo vegetal que, sem ser cozinhado, servia para regar as saladas (alface). Ou era o óleo da alface? E poucos, ainda hoje, sabem que o azeite provém da azeitona.
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
Foi graças a um dvd distribuído por um dos seus filhos, que possibilitou ao Projecto Memória Macaense – PMM montar diversos vídeos filmados por Hércules António que nos trazem velhas e memoráveis lembranças daquela Macau antiga que mora no coração dos macaenses e daqueles que tiveram vivência no território. Os vídeos publicados no YouTube nos […]
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