Cronicas Macaenses

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Em Macau, a Rua do Padre António que é chamada em chinês de Rua do Prédio Alto. Como? Manuel Basílio explica

RUA DO PADRE ANTÓNIO, A RUA DO “PRÉDIO ALTO”

Texto, legendas e fotos de Manuel V. Basílio (Macau) – 2017

Placa toponímica que não foi substituída após a transição, pois era este modelo adoptado anteriormente, durante a administração portuguesa. De notar que os caracteres sínicos 高樓街 se apresentam na forma clássica, isto é, de cima para baixo. Foto: M.V. Basílio

A Rua do Padre António foi, durante séculos, um importante troço que integrava o eixo centro-sul de vias públicas de Macau, que, partindo do Largo do Senado, passando pela Rua do Gonçalo (extinta com a abertura da Avenida de Almeida Ribeiro, restando actualmente apenas o Beco do Gonçalo), terminava junto ao Templo da Barra.

Antes da expansão territorial em direcção a norte da península, a cidade propriamente dita era demarcada pelas muralhas que desciam da Fortaleza do Monte, com acesso pela Porta do Campo ou pela Porta de Sto. António; do lado oeste, as águas do rio banhavam a Praia do Manduco e zonas ribeirinhas até à Praia Pequena, continuando dali para o norte; e, do lado leste, o acesso pela Praia Grande terminava no Chunambeiro. Só a partir do terceiro quartel do século XIX, devido a constantes assoreamentos, foram feitos os primeiros aterros, dando então origem à abertura de novas vias públicas. A avenida marginal, desde o Forte do Bom Parto até ao Forte de S. Tiago da Barra só se concretizou com a conclusão da Avenida da República, inaugurada em 1910. Por conseguinte, desde a Rua Central (a artéria central da cidade, antes da abertura da Avenida de Almeida Ribeiro), passando pela Rua de S. Lourenço, Rua do Padre António e Rua da Barra (que começa junto ao Largo do Lilau), todas essas vias eram vias nobres, ao longo das quais, bem como nas vias transversais, viveram muitas famílias, incluindo as mais proeminentes, da comunidade macaense, até aos anos 70-80 do século passado, altura em que os antigos prédios, a maioria dos quais de dois pisos, foram, a pouco e pouco, transaccionados e demolidos, dando lugar aos desenfreados empreendimentos imobiliários, com a construção de inestéticos prédios, ditos modernos.

Por cima da porta de ferro, vê-se a placa nº 1 e é ali que começa a Rua do Padre António. Foto M.V. Basílio

Quem era o Padre António?

Relativamente ao Padre António, a quem foi dado o nome à Rua, podemos encontrar no livro Toponímia de Macau, Volume II, que esse presbítero era o Pe. António José da Costa, nascido em Macau, cujo pai também se chamava António José da Costa, um rico mercador, que, além de negócios, fez parte de vereações do Senado. Quando este estava já afastado da vida pública, foi designado para assumir interinamente o cargo de Governador de Macau, em Janeiro de 1780, apesar de sua avançada idade e estado de saúde muito debilitado, na sequência do falecimento do então governador, tendo exercido esse cargo apenas por cerca de 8 meses. Após a tomada de posse do seu sucessor, recolheu-se à sua residência, conhecida por Casa das Dezasseis Colunas, onde viria a falecer em Fevereiro do ano seguinte. O seu filho António José da Costa, casado com Inácia Caetana de Sousa, encarregou-se da administração dos bens herdados, incluindo a dita Casa, conhecida em chinês por “sâp lôk chü” (ou seja, dezasseis colunas), devido ao facto de o prédio possuir esse número de pilares, tendo ele, depois de ficar viúvo, abraçado a vida religiosa, passando mais tarde a ser conhecido por Padre António.

O motivo do nome em chinês de Rua do Prédio Alto

Se a Rua ficou conhecida, em chinês, por essa designação, era porque existiu no passado algum prédio alto …

Desenho de George Chinnery, feito em 1836 (o Prédio Alto em destaque)

Vista parcial nos anos 1880, com o “prédio alto” em destaque (centro inferior mais à esquerda).

Vista parcial nos anos 1900, vendo-se o “prédio alto” (centro da foto) e, mais à esquerda, as árvores do Largo do Lilau, bem como a Travessa de António da Silva. Por esta Travessa, vai-se à Casa do Mandarim e, continuando, pode-se ir à Rua da Praia do Manduco, descendo pela Escada Quebra-Costas.

A Rua do Padre António começa na Rua de S. Lourenço, junto do actual edifício do Instituto Salesiano (outrora ocupado pela Casa das Dezasseis Colunas e pela extinta Rua Sena Fernandes) e termina entre a Travessa de António da Silva e o Largo do Lilau. Tal como acontece com muitas outras vias, o topónimo em português, atribuído à dita Rua, em homenagem ao Padre António, não corresponde ao que é designado em chinês, porquanto, curiosamente, é conhecida por “Kou Lau Kái” (高樓街, literalmente, Kou (alto), Lau (prédio) e Kái (Rua), ou seja, Rua do Prédio Alto). Se a Rua ficou conhecida, em chinês, por essa designação, era porque existiu no passado algum prédio alto, comparativamente a outros prédios baixos na zona envolvente.

Revendo os desenhos feitos por George Chinnery, podemos de facto encontrar uns quantos esboços em que mostram um prédio com destacável volumetria, com uma torre na cobertura, destinada a iluminação natural e ventilação. Teria sido aquele prédio, implantado quase no sopé da encosta da colina da Penha, que serviu de referência para a designação “Rua do Prédio Alto”, devido à destacada altura do prédio naquele local. Tentámos, durante anos, encontrar o sítio em que estava implantado o “prédio alto”. Graças a várias fotografias feitas no século passado e em finais do século XIX, pudemos então constatar que, após a demolição do “prédio alto”, no mesmo local foi construído um conjunto de oito moradias, de dois pisos, nos quais residiram, famílias bem conhecidas, tais como Paiva, Mazo (de origem mexicana), Henriques, Mendonça, Oliveira, Ramalho e, ainda, a D. Alice Jesus, uma senhora que dava lições particulares, na sua residência, a crianças que viviam naquela zona.

O prédio designado por “THE FOUNTAIN SIDE”, recentemente construído no terreno resultante da demolição do antigo prédio de 8 moradias, de que resta apenas a fachada voltada para a Rua do Padre António. Foto M.V. Basílio

Há já alguns anos que aquele conjunto de 8 moradias foi também demolido, tendo juntamente com o terreno resultante da demolição dos prédios números 2 e 4 da Rua da Penha sido reaproveitado para a construção de um novo edifício residencial, com parque de estacionamento privativo, e esta nova construção, agora designada por “THE FOUNTAIN SIDE” (por referência à fonte do Lilau), ficou concluída em Fevereiro de 2015. No entanto, nem tudo foi arrasado, pois a fachada daquele conjunto de oito moradias, na Rua do Pe. António (apesar de não fazer parte do património protegido ou classificado), foi carinhosamente preservada pela empresa promotora do projecto imobiliário, tendo inclusivamente atribuído às moradias, sitas naquela Rua, as seguintes designações: ao nº 41, Vila Algarve; ao nº 43, Vila Flor; ao nº 45, Vila Porto; e ao nº 47, Vila Prado. Além destas 4 “Vilas”, o empreendimento tem ainda um total de 38 apartamentos, com entrada pelo nº 2 da Rua da Penha.

O “prédio alto”, além de ter dado nome, em chinês, à Rua do Padre António, deu também a outras vias com a qual confluem, designadamente a Calçada da Paz e a Calçada do Bom Jesus. A Calçada da Paz, em chinês, é “Vó P’êng” (Paz) Ch’é Hóng (Calçada), que é uma tradução literal do topónimo em português. No entanto, além desse nome, figuram ainda na placa toponímica os caracteres sínicos “高樓下巷” (Kou Lau Há Hóng, ou seja, Travessa de Baixo do Prédio Alto). A Calçada do Bom Jesus, que começa entre a Calçada da Paz e a Travessa do Colégio e termina entre o início da Avenida da Praia Grande e a Praça do Lobo de Ávila, é designada em chinês por “Kou Lau Ché Hóng” (ou seja, Calçada do Prédio Alto). Actualmente esta Calçada continua a ser um acesso bastante utilizado, visto que por essa via se pode aceder a pé à Rua do Padre António, passando pela Calçada da Paz, que também é conhecida por “Kou Lau Há Hóng” (高樓下巷), conforme acima mencionado.

Temos, assim, mais um prédio que foi determinante ou que serviu de referência para a atribuição do topónimo em chinês. Assim, para os chineses, o presbítero é uma figura desconhecida ou inexistente, porquanto aquela via continua a ser designada por 高樓街 (Kou Lau Kái, a “Rua do Prédio Alto”), apesar de o prédio em causa ter sido já demolido há quase um século.

  • As fotos antigas foram baixadas da internet, designadamente do Grupo Macau Old Photos. Ao amigo José Cabral, um especial agradecimento por ter ajudado a completar os apelidos de algumas famílias que viveram naquele prédio de 8 moradias (M.V. Basílio)

Actual edifício do INSTITUTO SALESIANO, em frente à igreja de S. Lourenço. Na parte inferior da fachada, podemos ver colunas falsas, apenas para fins decorativos, num total de 24, em vez de 16 que o prédio anterior possuía. Foto M.V. Basílio

Casa das Dezasseis Colunas, onde actualmente está implantado o edifício do INSTITUTO SALESIANO. Hoje em dia já não se ouve falar em “sâp lôk chü”, pois esta designação foi caindo em desuso, após o desaparecimento daquela Casa.

Rua do Padre António, que começa logo a seguir ao edifício do Instituto Salesiano. Foto M.V.Basílio

Entrada do INSTITUTO SALESIANO. A placa toponímica está erradamente colocada, pois a Rua do Padre António só começa mais à direita, onde termina este edifício. Foto M.V.Basílio

Rua do Padre António, em direcção ao Largo do Lilau, vendo-se à direita a Travessa do Abreu. Foto M.V. Basílio

Rua do Padre António ca. 1946, vendo-se ao fundo, parcialmente, as duas torres da igreja de S. Lourenço. No canto superior esquerdo, vê-se parcialmente a tabuleta da parteira Ng Sin Si (veja comparativo na foto abaixo).

Foto actual, tirada no mesmo local da anterior. À direita, é a Rua da Penha. Foto M.V.Basílio

Ao fundo, o Instituto Salesiano e, do lado direito, estão duas pessoas a subirem para a Calçada da Paz. Foto M.V. Basílio

Aspecto do edifício residencial “THE FOUNTAIN SIDE”. Foto M.V. Basílio

Do lado esquerdo, vê-se uma porta de vidro, que é a entrada para as moradias do edifício “THE FOUNTAIN SIDE”. Do lado direito, é o acesso para o parque de estacionamento, destinado aos moradores.. Foto M.V. Basílio

Descida para o Largo do Lilau. Foto M.V. Basílio

Fim da Rua do Padre António, vendo-se a seguir o Largo do Lilau. Foto M.V. Basílio

Fim da Rua do Padre António, junto à Travessa de António da Silva. Do lado esquerdo, alguns metros mais adiante, é a entrada para a Casa do Mandarim. Foto M.V. Basílio

Actual edificio do Colégio “Estrela do Mar”, localizado mesmo em frente ao antigo prédio das 8 moradias. Foto M.V. Basílio

Um troço da Calçada da Paz, visto da Rua do Padre António. Esta Calçada é habitualmente designada, em chinês, por “Kou Lau Há Kái”, isto é, a “Rua de Baixo do Prédio Alto”. Foto M.V. Basílio

Ponto em que confluem 4 vias públicas: do lado de cá, o fim da Calçada da Paz; do lado esquerdo, a Calçada do Bom Jesus; do lado direito, a Travessa do Bom Jesus; e ao fundo, a Travessa do Colégio, que vai terminar na Calçada da Penha. Foto M.V. Basílio

Em frente, a Calçada do Bom Jesus, que vai terminar entre a Avenida da Praia Grande e a Praça de Lobo de Ávila. Foto M.V. Basílio

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

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O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
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