Há pouco mais de 8 anos atrás, precisamente em 9/12/2005, a escritora Margarida Ribeiro em companhia do macaense Delfim Ribeiro, provenientes de Portugal, visitaram a Casa de Macau de São Paulo por ocasião da festa de Natal. Na época, a Direção tinha como presidente Júlio Branco “Totó” e eu o secretário geral.
Como cortesia aos sócios da associação, a Margarida trouxe na sua bagagem vários exemplares do seu livro de 60 páginas “a Mui“, que tem Macau, a China e Hong Kong como ambiente das vivências da sua personagem. Lembro-me que na apresentação do livro, a escritora disse que a impressão era feita em letras grandes e parte em itálico “para facilitar a leitura de pessoas idosas, tal como ela”, na época com mais de 70 anos de idade.
A vida não acaba numa aposentação, numa terceira ou quarta idades… antes continua sem esmorecimentos numa permanente luta pela manutenção da qualidade das nossas vidas. (Margarida Ribeiro)
Apresentação do livro em texto de Margarida Ribeiro
O testemunho excepcional de uma criança que ao cair, sobreviveu na fronteira da morte.
quase atingiu o nada
mas lenta, muito lentamente
o sonho
a esperança
a noção do dever
e um amigo desconhecido devolveram-lhe a vontade de viver
A China pujantemente revivia também!…
A autora
Nascida no Funchal a 14 de Julho de 1932, tem como habilitações literárias o curso do Magistério Primário, Ciências Pedagógicas e um estágio para o ensino infantil pelo método Montessori. Ensinou no Funchal e em Lisboa, onde trabalhou nomeadamente nas escolas anexas à Escola do Magistério Primário de Benfica. Radicada em Macau desde 1961, exerceu o professorado nos níveis infantil, primário, na Escola do Magistério Primário e no Ciclo Preparatório do Ensino Secundário. Durante a sua carreira docente serviu-se da poesia para amenizar o ensino do Português, tendo publicado três livros de apoio didáctico:
– A Saltar, a Correr os Meninos Vão Aprender;
– Os Cúmulos Opostos;
– A Saltar, a Correr os Meninos Vão Aprender… A Correr, a Saltar os Meninos Vão Brincar.
e para adultos:
– Macau, Vivências em Poesia.
Para Macau e para as suas crianças, adaptou várias peças de Gil Vicente que encenou para os seus alunos (não publicadas).
No ano de 1995, participou no 1.° Encontro de Poetas, Macau na Poesia Portuguesa e Chinesa.
Já retornada à Madeira, tem em vias de publicação um novo livro de poesia:
– Madeira, Vivências em Poesia.
Dedica-se agora à «magia do conto».
Já se encontram igualmente em vias de publicação:
– O Homem do Riquechó, estória contada, já publicado e premiado;
– O Mundo das Sereias, estória contada;
– Uma Vida a Preto e Branco;
– Estoríetas de Antigamente.
O poema «Praia Grande», pertencente ao livro Macau, Vivências em Poesia, musicado pelo grande artista Énio Ramalho e interpretado por Luís Filipe Marques, com acompanhamento ao piano por Nuno Oliveira, foi gravado em DVD, fazendo parte de uma colectânea musical publicada em 2002.
A seguir, o 1º dos seis capítulos do livro:
A Criança
Ainda não sabia o que era pensar e ela pensava. Ainda não sabia o que era sonhar e ela sonhava…
O pensamento e o sonho eram os únicos bens que poderia levar consigo se tivesse de fugir desta confusão que se ia apossando da China. Via a mãe, desde que o pai desaparecera, ir enterrando discretamente algumas antiguidades enquanto, para não assustar as cinco crianças que giravam à sua volta, ia dizendo:
No caso de termos que fugir, quando voltarmos, já sabemos onde encontrar tudo isto …
Ia também, muito discretamente e com muito mais cuidado, fazendo pequenos saquinhos de cambraia muito fina, que era cortada dos seus bons saiotes interiores que, ao princípio, ela não sabia para que serviriam; mas um dia, quando estava sozinha com a mãe, espreitara-a e descobrira que os ia arrumando por dentro do espartilho junto ao corpo, e neles guardava as belas jóias que possuía Na sua ingenuidade de criança, até duvidava da sanidade mental da sua progenitora.
Viviam numa bela casa chinesa cheia de ameias e pátios interiores e rodeada de infindáveis bambuais enriquecidos por conjuntos de mesas com banquinhos, tudo de porcelana, onde o pai costumava sentar-se, tomar o seu chá, conversar com os amigos, que agora iam rareando… Era ali que ele se inspirava para as suas pinturas, nas quais nunca faltavam um ou dois dos seus belos pandas que por ali circulavam livremente.
A família, a casa, os amigos e os negócios eram decididamente toda a causa e razão da sua vida e orgulho. Educado no estrangeiro, era contudo um grande patriota e vira com maus olhos o facto de os seus grandes amigos, Tchan Kai Chek, Lee Wee Fung, e muito especialmente Lok Fok Yun, que era como um irmão, terem virado as costas à «Mãe Pátria», logo agora, quando ela mais precisava deles e dos seus dinheiros para empreender a enorme mudança que estava a desenrolar-se…
partir e levar tudo consigo?…
nunca mais haveria de lhes perdoar.
Tchan Kai Chek que estava a formar uma nova China e que, juntamente com os seus homens, estava a levar tudo o que havia de belo e valioso para fundar novos museus, longe, muito longe das suas gentes…
o Lee Wee Fung, de quem se dizia já ser dono de meia Quinta Avenida de Nova Iorque?…
E de duas das irmãs Lee, que tinham ajudado a alimentar os sonhos da mudança para abandonarem tudo e acompanharem os maridos nesta fuga?… Vá lá que a terceira, a que tinha casado com Sun Yat Sen e que estivera a viver em Macau, voltara para salvar a honra da Pátria e da família…
Aos poucos, as críticas que ia tecendo a tão estranhos procedimentos, foram baixando de tom e a revolta foi-se esvaindo dando lugar a uma enorme incompreensão face aos grandes exageros e abusos que começavam a verificar-se contra os próprios empreendedores da «Grande Marcha».
A incompreensão acabou por se transformar em desespero antes do seu desaparecimento. Falava sozinho; ora vagueando, ora sentando-se num dos banquinhos do seu querido bambual. Um dia não mais se ouviu falar dele porque saiu e não mais voltou para casa. Os amigos e os criados, ou fingiam, ou, na realidade, nada sabiam. Foi então que a mãe decidiu mudar-se para o prédio onde o pai tinha escritório, no Bund, junto ao rio, perto do HongKong & Shanghai Bank e de outros grandes bancos mundiais, alegando que era um apartamento pequeno e mais discreto; como estava no centro de Shanghai era mais fácil para o pai, quando voltasse, dirigir-se àquela morada e que também ficava mais acessível aos amigos encontrarem–nas, caso trouxessem notícias dele… Tinha também a conveniência de ser frequentado por muitos estrangeiros, que no seu constante vai e vem, faziam de Shanghai uma cidade cosmopolita permitindo que eles, chineses, passassem despercebidos. Tudo isto a mãe lhe ia explicando a ela que, embora rapariga, era a mais velha e tinha que assumir o compromisso de zelar pelos quatro irmãos mais novos. Começou também a falar num amigo do pai que vivia em Macau – terra governada por portugueses – terra e raça das quais a Mui jamais ouvira falar — e que tinha prometido recebê-la por concubina, outra surpresa, porque estava convencidíssima que o pai, homem de uma única mulher, era contra essa prática,
“nem que tivesse que casar a filho com um estrangeiro”
(o que para eles, chineses, era um último recurso, senão uma desonra) dizia, e que, por isso, se metera na Grande Marcha para libertar a China desse e doutros costumes arcaicos… Todos os dias aparecia alguém lá por casa, a mãe trancava-se no escritório a saber as novidades e, quando o visitante saía, sempre mais abatida, ia-lhe transmitindo as novas precauções que havia a tomar.
Dados gerais do livro:
Edição: Editora da Bisavó – Fundação Santo Nome de Deus / Apoio: Gradiva / Fundação Jorge Álvares / Fundação Santo Nome de Deus / Fergráfica – Edição Não Comercial
Capa e ilustrações: Sylvain Barré
Outro livro
Galeria
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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