Considerada a Notre Dame do Oriente, a Catedral do Sagrado Coração de Jesus, em Cantão, hoje chamada de Guangzhou, no Sul da China, a pouco mais de 100 quilômetros de Macau, foi visitada em 1984 por Dr. Coelho da Silva, na época Diretor dos Serviços de Turismo do ex-território português. A sua visita foi contada na edição de Janeiro de 1985 da antiga Revista Nam Van.
O relato feito na época, em 1984, era desanimador pelo estado de abandono do templo católico. Porém, pelas fotos que localizei no site da Tourist Link, deu para constatar que a igreja passou por reformas, aparentando estar em bom estado de conservação e aberta para visitas e cerimônias religiosas. Deve ser pelos novos tempos da China globalizada e a modernização da antiga Cantão.
Na postagem deste blog sobre a confraternização anual dos antigos alunos do Seminário de São José, referi-me à declaração do presidente da Associação ao Clarim que, nos planos para torná-la mais ativa, planejava-se (planeava-se) uma romaria à Catedral. Espero que se realize, pois nas pesquisas pela internet, percebe-se que há quase nada de registros a seu respeito, tanto em textos como em fotos.
Vejamos então o artigo da Catedral que lembra muito, especialmente o seu interior, a Catedral da Sé em São Paulo, Brasil:
A NOTRE DAME DO ORIENTE
por Dr. Coelho da Silva – Revista Nam Van edição de Janeiro de 1985
Vimo-las, de relance, no intervalo de duas casas, enquanto a viatura, penosamente, tentava penetrar no mundo trrim-trrante das bicicletas.
Foi apenas por uma fracção de segundo que vislumbrámos duas agulhas erguidas nos céus. O contraste com o casario escuro e decadente era demasiado evidente para que a nossa atenção não ficasse desperta.
Apesar de julgarmos conhecer bem a Cantão Turística nunca tínhamos tido oportunidade de descobrir uma igreja.
E verdade seja dita que aquela parecia merecer uma visita.
PORQUE os compromissos a isso nos obrigavam, só dois dias depois partimos à sua descoberta.
Não foi fácil. Cantão é hoje (em 1984) uma cidade descaracterizada, onde os elementos de apoio para qualquer visita turística são ainda pouco mais que rudimentares. Como em todos os países socialistas há o sentimento e a preocupação de esconder o passado, procurando impressionar o visitante pelas grandes obras modernas, na esperança de que este reconheça com isso as salutares virtudes do sistema. Mas, os turistas, sobretudo os europeus, são uns «chatos», só gostam de coisas «velhas», deixam-se ficar a contemplar uma esquina, uma fachada…
De repente, lá estava um bocado de França. Não nos é difícil rever na urbanização circundante, uma imagem tipicamente francesa. Para além da própria igreja, que pretende ser a Notre Dame do Oriente, há todo um enquadramento, ainda visível nas torres laterais e no espaço fronteiro que faz lembrar qualquer coisa de francês.
Apesar de fechada e com terríveis traços de abandono e destruição, a Igreja do Sagrado Coração tem um certo toque de irreal.
Faz-nos esquecer, por momentos, que estamos na China, e essa sensação, avoluma-se pela ausência de bicicletas e gente, uma vez que as ruas estão cortadas ao trânsito.
Quase se poderá considerar um novo «paraíso perdido» naquele mundo de sons e cheiros.
Não desistimos de a visitar, pesasse embora a solidez obtusa dos portões de ferro. Estávamos, porém, no nosso dia de sorte. Do jardim que rodeia a igreja surgiu um homem que, respondendo ao nosso sinal, nos franqueou a entrada e foi contando o que sabia da igreja. Despertou-nos a atenção o aspecto do guarda/sacristão/cicerone que nos seus traços fisionómicos pouco tinha de chinês, mais parecia indiano. Ele próprio não sabia a sua origem. Talvez também ele seja um resto da herança colonial francesa.
A destruição interior da igreja consegue ser mais impressionante que a exterior. Sinais de fogo, vitrais destruídos, imagens amputadas lembram tempos bem recentes de vandalismo e destruição gratuita.
Afinal, como nasceu ali aquele bocado de França?
Temos de recuar mais de um século. De facto, por volta de 1857, durante as guerras do ópio, tropas anglo-francesas bombardearam a cidade de Cantão, arrasando a residência oficial do governador.
Nas difíceis negociações que, entretanto, tiveram lugar, o Governo francês exigiu ao Governo chinês a construção de uma nova igreja católica, como compensação pela ocupação que este fizera de diversas igrejas católicas da cidade de Cantão. O local escolhido foi exactamente o da antiga residência do governador. Ai nasceu, por volta de 1863, uma igreja de granito que procurou reproduzir a igreja de Notre Dame de Paris. A primeira pedra foi lançada a 28 de Junho de 1863 e a sua construção demorou 25 anos. Durante largos anos foi a primeira igreja de pedra construída na China e daí o nome com que foi popularizada de «Casa de Pedra».
Na base da fachada, e de forma bem visível, do lado leste, existe uma inscrição indicando que ali foi depositado um quilo de terra vinda de Jerusalém e do lado oeste outro vindo de Roma. Procurou-se dar, deste modo, a dimensão universal da Igreja.
A área total da igreja é de cerca 2754 m2, tendo uma altura de 58,5 m. A verba dispendida na sua construção ultrapassou os 40.000 francos de ouro. O projecto é de um engenheiro francês, cabendo igualmente a responsáveis franceses o início da construção. Porém, dificuldades linguísticas acabaram por fazê-los desistir, tendo as obras sido concluídas por um mestre-de-obras chinês de nome Ch’oi Hau.
Como curiosidade refira-se que a pedra utilizada na construção veio de Kowloon.
A história recente da igreja é bem mais trágica.
Na revolução cultural foi ocupada e tudo o que existia no seu interior foi queimado. São ainda bem visíveis as marcas.
Com o calor do incêndio interior, a maioria dos vitrais rebentou, restando apenas uma meia dúzia de exemplares em bom estado.
Em meados de 1979 o Governo entregou a igreja à guarda da chamada Igreja Patriótica, passando a considerá-la como monumento a preservar.
Limpa dos destroços e minimamente reconstruída, voltou a abrir ao público, sobretudo aos turistas.
Do enquadramento exterior original, restam apenas duas torres, hoje quase irreconhecíveis, mas o arruamento central fechado ao trânsito permite imaginar um pouco da França.
FOTOS ATUAIS (ÉPOCA DESCONHECIDA) DA CATEDRAL DO SITE TOURIST LINK
fonte/photos from
http://www.touristlink.com.br/Republica-Popular-da-China/catedral-do-sagrado-coracao/photos.html
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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