Passaram-se 30 anos e sinceramente, do outro lado do mundo, no Brasil, este macaense que emigrou em 1967 não saberia dizer se lá em Macau (ex-território português na China) porventura, em algum beco, ainda existe barbeiro a “cortar cabeça” ao ar livre! Porém, tratando-se de chineses que têm grande capacidade para sobreviver e se virar para ganhar o pão de cada dia, julgo que ainda é possivel. Os residentes da minha terra natal que o digam!
O artigo abaixo escrito por Paulo José Loureiro, em 1986, nessa Macau que já não era assim tão bucólica e com muitos prédios a ocupar o espaço de antigos sobrados, conta que ainda tais barbeiros ao ar livre ainda resistiam ao progresso:
BARBEIROS DE MACAU – O CORTE DAS CABEÇAS AO AR LIVRE
Artigo de Paulo José Loureiro publicado na Revista Nam Van, edição de Maio de 1986
As fotografias são da revista sem autoria atribuída
A barbearia em Macau transitou, desde há cerca de seis anos, do velho beco, onde persistia em ficar, para o moderno e uniformizado salão de beleza. Para além do como e do onde, pergunta-se pelo homem que faz viver a profissão.
É com o barbeiro de rua que a profissão reclama a sua história em Macau. O corte de cabelo, por onze patacas e meia, acontece nos locais mais imprevistos, quotidianos senão mesmo imundos, como por exemplo, num beco ou numa rua apinhada de vendedores ambulantes de ferro velho.
Embora o homem que hoje corta o cabelo, nas ruas de Macau, tenha vindo da China há quatro ou cinco décadas, a barbearia de rua persiste há quase tanto tempo quanto as primeiras casas da cidade.
No movimento constante, na Areia Preta e no Porto Interior, de autocarros e bicicletas, venda de medicamentos chineses e de sopa de fitas, surge o barbeiro da rua, que quase passa despercebido nesta amálgama.
Imagine-se um beco de paredes carcomidas pelo tempo e pela sujidade. Pessoas que passam e correm. Bicicletas e riquechós. Antes de entrar nas curtas – em quase todos os sentidos — instalações da barbearia de rua, surge-nos um cartaz de madeira velha, um pouco insólito: «cortar a cabeça: 11,50». Passando esta barreira lingüística, vêem-se apenas dois ou três objectos parados: em frente do espelho bastante gasto, duas tesouras e uma navalha cobertas de uma camada negra de… uso e duas cadeiras com estofos encarnados.
Para além deste tipo de barbeiro de rua, que podemos considerar de nível superior, há também que ter em conta o barbeiro que não se fixa definitivamente, ou seja, aquele que todos os dias monta os seus apetrechos, em número mais reduzido possível — muitas vezes apenas uma cadeira, um espelho e uma tosquiadora.
Mesmo neste, no que abandonou a actividade nômada mas que também não se fixou de pedra e cal há a considerar dois níveis de apresentação: um que tenta criar o seu espaço debaixo duma tosca tenda de pano ou de plástico, principalmente perto dos vendedores ambulantes (que usam a mesma apresentação); outro, espalhado por toda a cidade – num parque de automóveis, por exemplo — e despido de todas as características próprias duma barbearia de cidade.
Tentando sobreviver ao progresso da moda e do ambiente urbano, o barbeiro de rua talvez seja mais do que uma mera tradição. Substituído pela moderna barbearia de salão, o barbeiro de rua é, todavia, o espírito vivo duma profissão que teima em não desaparecer, ao contrário de tantas outras.
HONG KONG, JAPÃO, ETC
A par deste tipo de barbearia, formada na escola de todos os dias, encontra-se em franca progressão o salão de beleza, dominado pelo mundo da moda de Hong Kong, Japão e de algumas capitais ocidentais de moda (Paris, Berlim ou Nova Iorque), onde a profissão de barbeiro é tomada de um ponto de vista muito mais competitivo.
Em primeiro lugar, há que ter em conta a dicotomia entre a barbearia chinesa e o salão de beleza tailandês.
Uma das principais causas da expansão da barbearia em Macau, que se tem verificado desde há cerca de 6 anos, a barbearia tailandesa distingue-se das chinesas, quer pela existência de massagens, como pelo tipo de apresentação.
Concebendo o serviço prestado pela barbearia como um acto de lazer, puro e simples, as poucas barbearias tailandesas existentes assumem-se por si próprias como um modo único de estar e de fazer.
Aqui, em substituição dos vendedores ambulantes, surge a música da rádio ou da televisão, que, para além de assemelhar a barbearia a uma discoteca, cria um ambiente de festa constante, com um coscovilhar intenso em tailandês ou cantonense entre os clientes e as aprendizes.
Um pormenor que ganhe especial importância nesta zona do globo: as barbearias unisexo, quer nas chinesas quer nas tailandesas; e, ao contrário das barbearias da rua, que apenas atendem idosos e crianças.
Continuando a caracterizar a barbearia tailandesa, há a referir também que, desde há um ou dois anos, começou a verificar-se, por parte de algumas casas de massagens e sauna – terreno quase exclusivo de tailandeses – o serviço de barbeiro, dando resultado a urna curiosa fusão que acentuou ainda mais o serviço de lazer oferecido pelo barbeiro tailandês.
A par destas, competem as dezenas de barbearias chinesas, seguindo uma ou outra característica dos salões tailandeses — como a música da televisão e o «design» moderno das instalações – mas não tão abertos a fusões do gênero que se referiu.
A relação entre o mestre e o aprendiz quase se não se faz sentir, mas a uniformização de todo o pessoal – que chega a atingir mais de dez elementos – cria um clima fechado e mais linear, em comparação com a facilidade de comunicação entre o cliente o barbeiro nos salões de beleza tailandeses.
Dado que, muitas vezes, surgem barbearias sem interrupção num lado e noutro da rua, a competição é grande. Concorre-se com a moda, procurando possui-la em diversidade e qualidade, quer em videocassetes «Made in Hong Kong» – que normalmente contêm explicações detalhadas que ensinam rapidamente a cortar cabelo segundo a última moda – quer possuindo os melhores mestres disponíveis. Concorre-se também para o melhor local das zonas mais comerciais (Praia Grande — Almeida Ribeiro — Rua do Campo), na procura do movimento de pessoas.
Depois desta tranformação profunda de rua para o salão de beleza, seja chinês seja tailandês, talvez a barbearia em Macau esteja ainda à procura de si própria, perdida da tradição e da moda.
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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