No livro – An Illustrated Guide to Macau (um guia ilustrado de Macau) – de autoria do britânico Shann Davies, editado em 1990 com apoio do Turismo de Macau, há uma página e meia que conta resumidamente a história de como foi outorgado a Macau o título de “Não Há Outra Mais Leal“, bem como as celebrações ocorridas no território para comemorar a restauração da monarquia portuguesa. Procurei interpretar o que está escrito em inglês e aqui trago uma tradução, não literal.
Essa história tem como base as escritas do padre Marques Moreira na década de 1640, contados por Charles Boxer[1] no seu livro – Seventeenth Century Macau (Século 17 em Macau).
É um bom momento para destacar as iniciativas da população de Macau na época, qualificadas como gestos de lealdade, e aproveitar para perguntar aos caros conterrâneos macaenses, o que podemos oferecer hoje? Honras a nossa antiga bandeira, fruto dessa lealdade, ou esquecestes dela pois já tens a verdinha para se orgulhar? Ou o minchi (carne moída à moda macaense) é mais importante?
“Macau teve muitas festas luxuosas mas as mais extravagantes de todas devem ter sido as dez semanas de festividades no Verão de 1642 que marcou a restauração da monarquia portuguesa, e coincidentemente o encerramento do Ano Dourado de Macau.
O Duque de Bragança que se tornou Rei João IV de Portugal em 1º de Dezembro de 1640, após as disputas monárquicas que colocaram um fim ao reinado de 60 anos da Espanha na Península Ibérica. Só que, após assumir, o novo governo português viu que não tinha mais um exército nacional, uma marinha insignificante e o tesouro com poucos recursos. Além de tudo tinha que restabelecer o controle sobre as suas distantes colónias.
Macau estava em perigo,com os espanhóis em Manila que queriam uma porta de entrada para o comércio com a China. Era importante que tomasse conhecimento da restauração da monarquia o mais rápido possível, e assim, para a missão, foi enviado um comerciante macaense que na ocasião se encontrava em Lisboa.
Depois de uma problemática viagem por navios ingleses e holandeses, o macaense chegou a Macau em 30 de Maio de 1642. Encontrou a cidade quase em estado de guerra civil com o governador e os Jesuítas em litígio com o bispo e as ordens medicantes de Agostinianos, Dominicanos e Franciscanos.
Entretanto, abaixaram-se as armas com a convocação de uma patriótica trégua para unir os centenas de cidadãos em 31 de Maio. Apelou-se a fidelidade ao Rei João num grande palco montado no Largo do Senado.
Ao que parece toda a população de 40 mil pessoas aderiu às sucessivas comemorações que foram registradas pelo padre Marques Moreira que dizia: “todos os demónios desapareceram, Macau mergulhou-se numa orgia de ostentação a ver nas ruas vestimentas luxuosas ornamentadas com jóias, fazendo parecer-se com uma cidade de reis”.
As portuguesas usavam vestidos de tafetá[2] azul com rosas e botões de ouro e seus chapéus eram ornamentados com correntes de ouro, rubis, pérolas e diamantes. Seus escravos trajavam uniformes de sedas finas, os cavalos encapados com malhas de prata e os palanquins[3] com cortinas de laços.
As chuvas frequentes não atrapalhavam as festividades. Fogueiras iluminavam os morros e tochas eram acesas na Igreja de São Paulo e em casarões. Havia espectáculos de touradas portuguesas, jogos de bola a cavalo (espécie de polo), exibições de luta chinesa , cortejos pelas ruas com lanternas coloridas, música, máscaras e mascarados.
A comunidade internacional de Macau também se fez presente nas festividades com parada de chineses vestidos a mandarim, japoneses com seus quimonos, persas com turbantes recheados de jóias, comerciantes holandeses com suas capas e calções, todos escoltados por arqueiros alemães montados em cavalos.
Na igreja de São Paulo, considerada na época como a mais bonita da Ásia, era celebrado um majestoso Te Deum. Devido à chuva, a salva de tiros na cerimónia de Ação de Graças foi disparada na nave do templo, provocando um barulho ensurdecedor que ecoou por todo o seu interior.
Ao mesmo tempo em que exaltavam o espetáculo, os participantes estavam todos conscientes que aquela poderia ser a última celebração de Macau. Isso foi apontado pelo padre Moreira:”a cidade voltou a ser como era na sua condição anterior, quando no auge da sua glória e riqueza era abastecida com rios de ouro e prata“. Assim era antes do Japão fechar as suas portas para o comércio em 1639 e os holandeses terem tomado Malaca dois anos depois. Isto de facto tornou Macau o único entreposto da China para o comércio internacional., mas os portugueses seriam reduzidos a meros intermediários de comerciantes ocidentais.
Mas isso não teve muita importância, pois no Verão de 1642, a população de Macau dedicou-se a dar as boas vindas à nova era em Portugal, e percebendo a situação difícil do novo regente com Portugal em frangalhos, fizeram uma doação de armas e dinheiro. O rei João IV ficou muito agradecido com o presente e a demonstração de fidelidade. Em retribuição, outorgou à cidade o seu orgulhoso título – NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL.
[1] Charles Ralph Boxer (Sandown, ilha de Wight, 8 de março de 1904 — St. Albans, Hertfordshire, 27 de abril de 2000) foi um historiador britânico, notável conhecedor da história colonial portuguesa e holandesa.
[2] Tafetá (taffeta) é um tecido de seda trançado. Tem sua origem na antiga Pérsia, sendo grande produtor na atualidade a China, na região de Jiangsu. Tafetá é um tecido fino e acetinado feito de seda, lã ou sintéticos. Tem boa resistência e durabilidade. É resistente à abrasão e produtos químicos, aceita facilmente corantes e é facilmente lavado. É semelhante ao cetim, mas desloca-se menos. Sua rigidez depende da forma como ele é tecido.
[3] Palanquim é uma espécie de cadeira ou leito portátil, com um varal por cima com cortinas que cobrem a pessoa, transportado por dois homens às costas, usado na Ásia e no Brasil. Em Angola é chamado de tipóia.
*(fonte: Wikipédia)
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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Caro Rogerio. Tudo que se refere ao passado historico de Macau deve ser sempre lembrado e transmitido aos mais jovens.. Caso contrario fica no esquecimento.
Vida D. Joao IV , o Restaurador e Viva Macau
Com toda a razão Henrique pois a identidade macaense tem como base a história da presença portuguesa em Macau. Abraços