Cronicas Macaenses

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Cecília Jorge dá a receita do xarope de figo

Imagem da Revista Macau

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Mais um artigo da série “Tacho do Diabo” de autoria de Cecília Jorge, publicada na Revista Macau nos anos 90, fala sobre o figo e dá a receita do “xarope de figo”. Vejamos:

RECEITA DE XAROPE DE FIGO (doses calculadas para cada litro de xarope)

Autoria de Cecília Jorge (Macau) – Revista Macau edição de Julho de 1994

Folha de figueira

Folha de figueira

Folhas de figueira:- 30

Açúcar em pedra:- 1 kg

(ou granulado: 1,5 kg)

Clara de ovo (para clarear):- q.b. (a gosto)

Lavam-se as folhas de figueira, esfregando–as uma por uma com uma escovinha. Espalmam-se e, com uma faca afiada, cortam-se os pés das folhas e aparam-se as partes mais salientes das nervuras.

Deixam-se estar de molho em água limpa e fria, durante pelo menos 12 horas, tendo o cuidado de lhes colocar um peso em cima (por exemplo, um prato) para que mergulhem bem. Levam-se ao lume, numa panela grande, as folhas de figueira e o líquido em que estiveram mergulhadas. Assim que levantar fervura, abranda-se o lume e deixa-se cozer durante cerca de duas horas. Retiram-se as folhas (que se espremem, para aproveitar todo o líquido) e coa-se o líquido com um tecido de malha fina, medindo-o, para calcular a dose de açúcar. A panela com o líquido e o açucar volta ao lume e ferve durante uma hora e meia, ou até o xarope atingir a densidade que se pretenda.

No fim da cozedura, clareia-se o xarope com uma clara de ovo batida, deixa-se esfriar e verte-se em garrafas previamente limpas e bem escaldadas, para esterilizar. Pode-se rolhar apenas com cortiça. Deve-se guardar em local seco e fresco.

O xarope de figo é servido simples, mas bem fresco, misturado com água e pedras de gelo.

Figo

CHAMAR “FIGO” À BANANA

Artigo de Cecília Jorge da série “Tacho do Diabo” – Revista Macau edição de Julho 1994

Em Macau, a presença de vocábulos de português arcaico no antigo diailecto local permite-nos imaginar hábitos dos portugueses quinhentistas, eternos navegantes: “figos e figueiras”, bananas e bananeiras

AINDA há escassas décadas, falar de figos, em Macau, implicaria, muito provavelmente, a necessidade de especificar melhor para desfazer confusões: Figo de Portugal! Ou figo de bananeira, vulgo, banana? Sim, porque de figo-kaki não se tratava, decerto, ou seja, do parente do dióspiro; nem do fruto da figueira do Inferno, mais popularizado como rícino ou castor.

Chamar figo à banana e figueira à bananeira, a ponto de ser necessário adicionar “de Portugal” ou “da China”, para indicar o outro fruto com a mesma designação…

O figo propriamente dito vem, como é sabido, de tempos remotos, do jargão dos portugueses que demandavam as rotas do Oriente. Alguns autores antigos se lhe referem dessa forma, como Garcia da Orta, no capítulo vigésimo segundo dos seus Colóquios dos Simples e Drogas da Índia (na reedição de 1891, dirigida e anotada pelo Conde de Ficalho). O seu interlocutor, Ruano, gaba o figo que lhe parecia muyto boa fruta, pois não emfastia.

O físico ou médico quinhentista, a propósito dos muitos nomes dados’ ao mesmo figo pelos vários povos que o conheciam, refere a propósito que ele se chamava banana na Guiné (Guiné, no sentido antigo e mais lato do termo, ou seja, a costa ocidental africana). O termo de origem africana foi, afinal, o que se generalizou, ficando-nos apenas, na língua maquista, termos aplicados à banana como figo-vilão (curiosamente, a corresponder ao poético termo latino de musa paradisíaca) figo-da-horta, figo-cheiroso ou figo-veludo.

Os figos vilão, da horta e cheiroso (este último termo macaísta, talvez de inspiração chinesa, já que em cantonense se chama isso mesmo, héong-chiu, por ser um fruto aromático), são os que se encontram mais popularizados em Macau, e é interessante fazer a comparação dos hábitos das duas principais comunidades do território no que se refere ao consumo dos vários tipos de banana. Enquanto a comunidade portuguesa de um modo geral prefere o figo-cheiroso, de melhor paladar, textura e cheiro, os orientais (macaenses incluídos) procuram invariavelmente o figo-da-horta, ainda que mais caro, ou a banana ordinária (figo-vilão), ainda que de gosto menos delicado e ácido.

É que se procura, como sempre, o equilíbrio na alimentação e, nesse caso, as potencialidades medicinais do fruto. O figo-cheiroso é excessivamente refrigerante (refrescante),  podendo provocar dores aos estômagos fracos e indigestões, não sendo aconselhável a doentes e convalescentes. Quanto ao figo-da-horta, uma banana pequenina, de casca fina e aloirada, apesar de refrigerante, é peitoral e anti-escorbútica, sendo até recomendada aos doentes de dyspepsia e aos convalescentes de todas as moléstias (Repositório de Noções de Botânica Aplicada e Produções Vegetais Mais Usadas na China, Hong Kong, 1904).

O figo-vilão, também consumido pelos chineses, mas mais ainda pelos filipinos, tailandeses, indianos, timorenses, etc., tem muitas serventias. Do tronco extrai-se um suco que, fermentado, serve de vinho e aguardente. As folhas secas servem de mortalha para o tabaco; as folhas verdes usam-se para várias receitas de culinária e, especialmente, para embrulhar alimentos a cozer em vapor, tais como os catupás (bolos de arroz glutinoso com recheio de carne). O tamarindo e alguns achares, por exemplo, eram embrulhados em folhas de bananeira quando vendidos nos retalhistas. Q jan-tom ou o coração, com frutos imaturos, da “bananeira-vilão”, servia para fazer caril. A obstipação nas crianças curava-se, ainda há pouco tempo, fazendo-as beber um copo de água depois de comer um ou dois figos-vilão.

Usava-se ainda na cozinha, mas especialmente como doce, muito apreciado à sobremesa, nas fritadas de banana polvilhadas com açúcar pile e canela. Hábito que se foi perdendo progressivamente, e, no entanto, de raízes bem remotas.

Recorrendo, uma vez mais, aos Colóquios de Garcia da Orta, vimos a saber que havia no Malabar e em Baçaim e em outras partes figos grosos do comprimento de hum palmo; sabem muyto bem asados, e deitados em vinho com canela per cima, e sabem a marmellos asados e muyto milhar. E ainda que também se cartão estes polo meio, e fregem os em açucar e até que estejam bem torrados, e com canela por cima.

Mas concluindo o assunto dos figos-banana e passando às figueiras propriamente ditas, que em Macau também as havia e há, chamando-se figueiras de Portugal, eram presença indispensável nos pequenos pomares e quintais, pela sua muita serventia.

Moufá-kuó, como se diz em cantonense, ou seja, “fruto sem flor” (e a figueira, realmente, não tem florescência) é um fruto muito nutritivo, seja fresco ou seco. Mas mais ainda do que o fruto, o que mais aproveita aos macaístas são ainda as folhas da figueira, pelo valor medicinal que têm. Delas se faz um saboroso e aromático xarope, para contrariar o malefício dos calores do Verão, e também o doce de abóbora-camalenga (a camalengada) fica mais perfumado se lhe adicionarmos à fervura umas folhas de figueira. E, finalmente, o remédio mais antigo para o alívio das hemorróidas dolorosas, o contacto com o vapor das folhas cozidas em água.

E são folhas, tão só, o que a receita desta edição inclui: um fresquíssimo “xarope de figo”. Atire-se a uma figueira e prepare-se para encher um saco de folhas, procurando as mais grossas e carnudas, ou seja, as menos tenras, o que de certa maneira fará estranhar ainda mais quem não perceba ao que vai.

Um comentário em “Cecília Jorge dá a receita do xarope de figo

  1. Nome Obrigatorio?
    26/04/2014

    Em vez de refrigerante, não será refrescante?

    É que se procura, como sempre, o equilíbrio na alimentação e, nesse caso, as potencialidades medicinais do fruto. O figo-cheiroso é excessivamente refrigerante, podendo provocar dores aos estômagos fracos e indigestões, não sendo aconselhável a doentes e convalescentes. Quanto ao figo-da-horta, uma banana pequenina, de casca fina e aloirada, apesar de refrigerante,

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

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O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.

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