Nesta postagem, para auxiliar a compreensão do Patuá, dialeto de Macau, aos leitores que não o conhecem, ou para matar as saudades dos que já têm algum conhecimento, vou publicar o poema – Bote Dragám (Barco Dragão) – do poeta de Macau, José dos Santos Ferreira, mais conhecido por Adé, que publicou em vida cerca de vinte títulos no gêneros de crônica, poesia e ficção.
Acompanha o áudio com a voz do grande poeta macaense e a tradução para o português ao lado do verso em patuá, que foi feita pelo próprio autor e publicada no livro – Macau di Tempo Antigo – em 1996. O áudio não segue à risca o poema publicado, podendo perceber que alguns versos estão ligeiramente alterados mas sem maiores consequências para compreensão, inclusive falta o estrofe final.
Aproveitando o tema Barco Dragão, ouça a canção de mesmo nome cantada pelo grupo musical A Outra Banda, cujo CD editado pela TRADISOM (veja no site a disponibilidade do disco para compra on-line) é um dos melhores já produzidos em Macau, pois as músicas têm como tema as tradições macaenses e chinesas da cidade além de excelentes interpretações. Desperta saudades!
Espero que isso possa contribuir para uma melhor divulgação do patuá, candidata ao título máximo de Patrimônio Cultural Imaterial pela UNESCO. É uma árdua tarefa dos filhos de Macau no sentido da preservação do dialeto, pois há tempos passados que anunciavam a sua morte pelo pouco uso e número de falantes, mas ainda encontra fôlego para uma sobrevida de mais uns bons anos pela conscientização despertada.
Entenda antes o que é a competição – Bote Dragám (Barco Dragão) – a que se refere o poema:
Barco Dragão
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre
As corridas de Barcos Dragão estão profundamente enraizadas nas tradições milenares chinesas, e originalmente celebravam-se no 5º dia do 5º mês do calendário chinês, que corresponde sensívelmente a Junho.
Na sua origem está a celebração da morte de um grande poeta e diplomata: Wât-Yun, que viveu no período dos Sete Reinos Combatentes (475-221a.c.).
Depois de ter apoiado uma deslocação do imperador a um reino vizinho, enquanto conselheiro real, que foi mal sucedida, Wât-Yun retirou-se para a sua terra natal, onde se suicidou atirando-se ao rio Mek Lo.
Quando os barcos que o iam resgatar se aproximavam do corpo, os remadores atiraram bolinhos de arroz – tchong – para saciar os monstros marinhos, ao mesmo tempo que batiam com os remos para os afugentar. O barco simboliza o dragão que representa a virilidade, o vigor, a fertilidade; é um ser benéfico, apanágio dos deuses.
Desde então, que estas festividades tem sido associadas a outras celebrações.
O ÁUDIO DO POEMA – BOTE DRAGÁM – NA VOZ DO ADÉ
(origem: CD – Dóci Papiá di Macau editado pela TRADISOM – clicar na seta para ouvir)
O POEMA – BOTE DRAGÁM / BARCO DRAGÃO
Plumplum! Plumplum!
Braço ergui, braço bassá, / Braços ao alto, braços a cair,
Pau grôsso na mám di nhum, / Paus grossos nas mãos do homem
Dále qui dále, co fôrça zinguá / Batem que batem, arreiam com força,
Batê tambôr, cachapum, / O tambor rufa, cachapum,
Fazê plum plum! Plum plum! / Fazendo plum plum! Plum plum!
— 0 —
Plum plum! Sôm qui assanhado, / Plumplum! Som enfurecido
Na tudo vánda gente uví, / Que se ouve de todos os lados,
Corê téfí-téfi, alvoraçado, / Gente assustadiça corre alvoroçada,
Querê sabe quim tá guní, / Quer saber quem está a gemer,
Seléa batê-póme, batê-pum, / Esse bate-pau, bate-pum
Vêm di únde assi zurum. / De onde vem tão sinistro.
— 0 —
Cutido pa acunga dôs pau, / Batido por aqueles dois paus
Pegado duro-duro na mám, / Bem seguros nas duas mãos
Nhu-nhum têm cara di mau, / Por homem com cara de mau,
Tambôr tá fêto chim-chám, / O tambor está a ser maltratado,
Ramendá tá vai morê. / Parecendo que vai morrer.
Nom-têm fim di gemê, / Não pára de gemer,
— 0 —
Sorte qui sã di-dia… / Tudo se passou de dia, ainda bem…
Si sã anôte iscuro di treva, / Fosse em noite escura, nas trevas,
Gente susto, lô sandê candia, / Essa gente aterrorizada acenderia velas,
Pensá montánha tá reva, / Pensando tratar-se de colina zangada,
Su coraçám batê irado, / Com o coração a bater enraivecido,
Fazê nôsso pulá juntado. / E a fazer estremecer também o nosso.
— 0 —
Cacho-cacho di gente barbéro-bafado, / Os mais impacientes, aos cachos,
Trepá morália di Prai Grándi, / Treparam a muralha da Praia Grande,
Riva unga di ôtro, cachipiado, / Acomodados em cima uns dos outros,
Ôlo abrido grándi-grándi, / E de olhos bem arregalados,
Tudo querê sabe quim tá gême, / Procurando saber quem gemia,
Cuza, afinal, tá sucedê. / O que estava, afinal, a acontecer.
— 0 —
Sol fazê mar ficá quimado, / Com a água do mar queimada pelo sol,
Pêsse fuzí espavorido. / Viam-se fugir espavoridos os peixes.
Na meo di ónda parado, / Por entre ondas aquietadas,
Unga chonto di bóte chipido, / Uma porção de barcos estreitos,
Di laia-laia côr brejéro, / De variadas cores garridas,
Ta corê quelê ligéro. / Deslizava em ligeira correria.
— 0 —
Sã bote istrêto, cumprido, / Eram barcos esguios, compridos,
Fêto co tábu fino, arcuado, / Feitos de madeira delgada, arqueada,
Cadunga têm, na diánte capido / Cada um levava espetada na proa
Unga cabéça di dragam aloirado, / Uma cabeça aloirada de dragão,
Na vánda di trazéra / E cravado na popa,
Unga rabo dí dragám co bandéra. / Rabo de dragão com bandeirinha..
— 0 —
Ah! Tudo tá grita / Ah! Exclamam agora todos.
Sã bote dragám! Sã bote dragám! / São barcos-dragão! São barcos-dragão!
Ôlo lustro, bóca ispumá, / Olhos luzidios, boca a espumar,
Rabo bulí fêto coscorám, / Com o rabo enrascado a agitar,
Dragám uví tambor di “cusau”, / O dragão, ao som do tambor “cusau”,
Ligéro corê na mar di Macau. / Corre veloz sobre o mar de Macau.
— 0 —
Cadunga dragám fêto bote / Cada dragão feito bote
Têm 25 nhu-nhum sentado: / Leva 25 tripulantes sentados:
Vinte-quatro hóme fórti / Vinte e quatro homens fortes
Remá bote dizenfreado, / Remam arrebatados o barco,
Unga, na vánda di cabéça, / Enquanto um, instalado na proa,
Tambôr, péssa qui péssa. / Tamboreia apressadamente.
— 0 —
Plum plum, compassado, / Com esse plum-plum compassado,
“Cusau” assanhá dragám. / O “cusau” espicaça o dragão.
Tudo remo bassá juntado, / Os remos baixam todos …uma
Cortá mar co safanám, / Cortam o mar aos safanões
Remá águ vai trás, unga istánte, / E, puxando a água com presteza,
Fazê bote dislizá, vai diánte. / Fazem avançar os barcos.
— 0 —
Brinco di bote dragám di agora, / As regatas de barcos-dragão de agora
Sã pá lembrá poeta Chi lan / Servem para recordar o poeta Chi lan,
Qui China têm otróra, / Que vivia outrora na China,
Na tempo di tánto gente ladrám./ Nos tempos de muita gente corrupta.
Poeta consumido, tontôm, montôm, / O poeta, desgostoso, atabalhoado,
Pulá na mar, matá pá onçôm. / Sacrificou a vida, atirando-se ao mar.
— 0 —
Aia, si nôs agora fazê igual, / Pois é. Se o mesmo fizéssemos agora,
Co tánto ladroíce na diánte, / Com tanta ladroeira à vista,
Qui di gente nádi pará mal, / Quantas pessoas não acabariam mal,
Pulá na mar vazánte! / Lançando-se ao mar chato.
Mar inchido sã logo ficá, / O mar acabaria por se encher,
Mâz ladroice nádi pará. / Sem que a ladroeira terminasse.
— 0 —
Dez bote na águ liching, / Sobre as águas lisas, dez barcos
Ta corê pá sacudi saván; / Correm para expulsar os maus ares,
Vai fazendo grándi chinfrim, / Fazendo grandes algazarras,
Na cumpridám di nôsso Nam Ván, / Ao longo do nosso Nam Van,
Pa olá qualunga más pimpám,/ A ver qual deles é mais valente,
Ganhá prémio, sai campiám. / E ganha o prêmio, apurando-se campeão.
— 0 —
Basso di sol qui iscaldá, / Baixo de sol escaldante,
Barquéro na bote pussá bafado. / Os remadores estão exaustos.
Na morália, gente goelá, / Na muralha a gentinha grita
Batê palma dizesperado / E aplaude ruidosamente,
Fazê dragám ficá dôdo / Enquanto o dragão, como que endoidecido,
Sai pê, tocá fundo na lôdo. / Estende os pés e pisa o lodo no fundo.
— 0 —
Tambôr perdê bafo, / O tambor cai em silêncio,
Sã corida já acabá. / Que é quando a corrida acaba.
Na baraca, “taipan” bêm di safo, / No barracão, os graúdos pachorrentamente,
Decê vai basso pá gente olá / Descem para serem vistos
Chuchú bandéra di campiám, / A espetar a bandeira de campeão
Na lombo di bote dragám. / No lombo do barco-dragão.
OUÇA A CANÇÃO – BARCO DRAGÃO – INTERPRETADA PELO GRUPO – A OUTRA BANDA
(letra: Jorge Arrimar / música: Carlos Piteira / edição: José Moças-TRADISOM)
* Nova postagem aperfeiçoada seguindo a anterior publicada em 25/03/2013
*Agradecimentos ao José Moças e a TRADISOM pela permissão para reprodução de seus áudios.
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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