Nesta terceira e última postagem sobre Luís Gonzaga Gomes, esta traz as entrevistas concedidas à Revista Nam Van em 1984 por Padre Videira Pires e Túlio Tomaz e publicadas no artigo (Recordando Luís Gonzaga Gomes) de autoria de Luís Ortet.
Espero que com mais esta publicação, somada à postagem anterior de entrevistas com Padre Manuel Teixeira e o “Adé” José dos Santos Ferreira, pelo menos, alguns conhecerão melhor a pessoa do sinólogo, escritor e historiador macaense Luís Gonzaga Gomes que, talvez, não tenha o necessário reconhecimento pelo trabalho que fez pela sua terra natal Macau.
Pe. Videira Pires: «Um homem modesto mas cheio de brio pela sua terra»
O Pe. Videira Pires foi um dos nomes mais insistentemente apontados para falar de Gonzaga Gomes. O facto de ter privado com o escritor macaense e ser, ao mesmo tempo, um dos estudiosos e investigadores da história de Macau e da presença portuguesa no Extremo-Oriente, cria todo um conjunto de afinidades a que se junta a sua maneira ponderada de analisar a vida.
O Luís Gomes era um homem que se interessava muito por todos aqueles que trabalham a favor da cultura de Macau. Isto ainda não foi focado por todos aqueles que têm discursado a seu respeito. Era um homem modesto, mas ao mesmo tempo cheio de brio pela sua terra».
Quem foi Gonzaga Gomes? Paralelamente ao que a sua personalidade invulgar deixou em todos os que o conheceram, qual o valor maior da sua obra?
«Ele era fundamentalmente um investigador histórico. Tinha muitíssimos apontamentos e acho que tinha até já delineada uma história completa de Macau, muito difícil de fazer, da qual se aproveitou em parte o prof. Almerindo Leça no seu livro «A Primeira República Democrática do Extremo-Oriente».
«E mesmo olhando para a biblioteca que ele tinha, verifica-se que era uma biblioteca de muito valor, com muitos livros antigos. Até, por exemplo, uma colecção «Lettres Edifiantes» dos missionários jesuítas em todo o mundo. E uma colectânea enorme das cartas dos jesuítas do século XVIII. Uma colecção de duzentos volumes. E outras obras de vulto.
«Ele dirigiu os Arquivos de Macau durante muito tempo. Já foi bastante frisada a paciência que ele tinha de ver os documentos antigos e conferi-los depois com a sua leitura. Tudo isso é um trabalho que exige uma minúcia e uma paciência muito grandes.
Durante muitos anos dirigiu os Arquivos de Macau e foi-os publicando quase todos, sobretudo o núcleo documental do Senado, que é o núcleo, parece-me a mim, mais valioso do nosso Arquivo (do Arquivo Histórico).
«Isto do ponto de vista da investigação histórica. Ligado também com este ponto, eu julgo que há uma obra de muitíssimo valor que ele completou, uma obra de grande auxílio para os historiadores futuros que é a «Bibliografia Macaense», publicada na Filmoteca Ultramarina. Esta obra merecia agora uma reedição».
HOMENAGEAR REEDITANDO
Perante uma obra extensa, embora com as insuficiências que muitos apontam, mas também com o seu incontestável valor, diz-se muitas vezes que homenagear Gonzaga Gomes passa necessariamente por reeditar obras suas.
Pedimos ao Pe. Videira Pires que dissesse quais as que considera mais valiosas e consequentemente, mais merecedoras de uma reedição.
«Sobre história tem publicadas várias obras e uma delas, «Páginas da História de Macau», é bastante boa. Outra obra também importante é «Efemérides da História de Macau», que não é original mas na qual ele completou as efemérides de Marques Pereira e que depois o Pe. Teixeira ainda actualizou mais.
«Outra obra importante, já do ponto de vista do folclore e da etnografia é as «Lendas de Macau». Esta e outras obras neste domínio foram editadas pelo «Notícias de Macau».
«Ele também era um homem de muito valor no campo da arte. «Arte Chinesa», por exemplo é outra obra que merece ser recordada. Ele herdou muitos apontamentos de seu pai que também era um homem culto e estudioso.
«O Luís Gomes herdou a cultura do seu pai que conhecia muito de arte chinesa desde os tempos imemoriais da China e nos seus livros, publica gravuras muito interessantes.
«O Luís Gomes ainda tem um aspecto bastante importante, na sua vasta actividade. Era um perito musical muito bom. Como sabe, a sua irmã é das artistas intérpretes da música clássica que temos aqui em Macau. Os concertos que deu, a formação que tem de Londres, os concertos que deu no Canadá. Ele participava muito da cultura da irmã. Mas ele próprio compreendia muito bem todos esses artistas que vinham aqui. Era sempre ele que fazia as críticas no «Notícias de Macau», que eram críticas admiráveis. E tem uma discoteca formidável em casa».
No reverso da medalha, a dispersão:
«Cargos que lhe tiravam muito tempo. Por exemplo na Emissora. Deu os primeiros passos da Emissora e era mesmo locutor. De facto dispersou-se muito. Foi também conservador do Museu. Ele percebia de classificação e a classificação que hoje temos ainda pode dizer-se que se deve toda a ele.
«Eu também acho que o grande defeito dele, se algum foi, porque não há gente para trabalhar, foi ter-se dispersado muito».
Túlio Tomaz: «Era, acima de tudo, um macaense que amava a sua terra»
O dr. Túlio Tomaz, residente em Macau há muitos anos e antigo director dos Serviços de Educação, foi um dos interlocutores preferidos de Gonzaga Gomes. A «sala de estar» em que ambos se encontravam, para, por vezes, longas e imprevistas divagações, situava-se num trajecto mil vezes palmilhado pelo escritor e historiador macaense: do n.” 8 da Calçada do Monte à vivenda «Sir Robert Ho Tung», passando pelo Largo do Leal Senado e a árdua subida da Calçada do Tronco Velho. O encontro casual poderia verificar-se num ponto qualquer dessa curta mas muito significativa distância.
DE Túlio Tomaz obtivemos uma descrição interessante da personalidade do escritor macaense, incluindo uma referência ao seu, se bem que discreto, sentido crítico sobre o modo como observava as pessoas que conhecia. «Ele formava, de todas as pessoas que contactava, uma opinião muito concreta, e às vezes não muito lisonjeira», disse, com humor, Túlio Tomaz. Depois acrescentou: «E claro, ele abstinha-se de fazer considerações em público porque era uma pessoa de extraordinária cortesia no trato».
Uma grande vida interior e a dedicação completa ao trabalho são outros tantos traços salientados por Túlio Tomaz:
«Do convívio que tive com Gonzaga Gomes fiquei com impressões bem definidas. Ele era uma pessoa que não convivia muito nem era muito extrovertida: guardava muita coisa para si. Sobretudo tinha uma característica importante: abria-se mais diante daquelas pessoas que considerava seus pares. Isto é, aquelas sobre quem chegava à conclusão de que o compreendiam e apreciavam o seu trabalho e a sua maneira de ser.
«Tivemos algumas conversas muito engraçadas — prosseguiu Túlio Tomaz — porque ele tinha um extraordinário senso de observação e ironia. Uma ironia muito própria e graciosa. Às vezes só com uma palavra, ou um sorriso, classificava uma pessoa».
UM «MUNDO PRÓPRIO»… DE TRABALHO, DE CULTURA…
Túlio Tomaz faz referência, em seguida, ao «mundo próprio» de Gonzaga Gomes em que, apesar de uma mentalidade lógica e de cientista, se acoitava uma sensibilidade artística com a música a ocupar um lugar de eleição.
«Quando não encontrava sintonia da parte das pessoas tinha uma certa frieza, era um bocadinho distante, mas extraordinariamente simples no trato. Era um homem que tinha o seu mundo próprio. Era o mundo da cultura, da beleza, da arte, que ele cultivava.
«Ele não encontrava no ambiente que o rodeava, digamos, uma satisfação completa. De modo que procurava outros mundos».
Um desses mundos era o seu trabalho, a actividade multifacetada em que as horas de lazer não se distinguiam muito das restantes.
«Para ele, a actividade de lazer, tinha de ter sempre uma finalidade espiritual. Uma finalidade que era a sua valorização pessoal e a da gente de Macau, porque ele era, acima de tudo, um macaense, um homem que apreciava a sua terra, e que, de facto, queria fazer alguma coisa por ela.
«Em todas as manifestações culturais ele procurava sempre activá-las e incentivá-las. Digamos: ele casava-se com a actividade que desempenhava na ocasião. Aquela afectividade de que seria capaz exercia-se principalmente naquela obra, naquilo que ele queria transmitir aos outros. Ele amava as pessoas em geral e isso traduzia-se na sua dádiva. Era um pouco asceta».
AMARGURAS
Túlio Tomaz refere em seguida a incompreensão que Gonzaga Gomes encontrou, em muitos dos seus cargos, «dos quais foi sendo sacudido pouco a pouco», o que lhe causava um profundo desgosto.
«Ele estava um bocado traumatizado e, no fundo, azedo. Mas tinha as suas razões. Porque, durante muito tempo, sustentou a Emissora, onde apresentava, todas as noites, um programa de música-concerto, com peças escolhidas por ele, de que fazia introduções esclarecedoras. O programa tinha um bom nível».
Veiculámos perante Túlio Tomaz a crítica de que Gonzaga Gomes não dirigia bem a programação da Emissora Nacional, nomeadamente porque «dava música clássica a mais».
«Não dava música clássica a mais. A Emissora tinha muitos programas nessa altura. Como, pòr exemplo, o programa dos «Parodiantes de Lisboa», que deixou de ser transmitido, não sei porquê: era muito ouvido e tinha graça. E outros programas, com uma certa qualidade, que vinham de Lisboa.
«O objectivo dele era procurar interessar as pessoas pela música em geral. Ele explicava, chamava a atenção para os pontos que deviam ser mais apreciados, ou que seriam mais difíceis de compreender».
A actividade cultural do escritor, em torno do Círculo de Cultura Musical, mereceu uma referência expressa de Túlio Tomaz:
«No fim dos concertos, quando os artistas ficavam lá, fazia-se um jantar que era um pretexto para um convívio depois do espectáculo. E então juntava os amigos mais próximos, e, como falava um pouco de várias línguas, dizia uma palavra aos artistas, de acordo com a sua nacionalidade. Ele fazia de anfitrião e essas reuniões eram extremamente agradáveis. Convidava os tais amigos em sintonia, pessoas que realmente soubessem acamaradar numa reunião de artistas, e soubessem ter uma conversa agradável e espiritual. Ai estava ele no seu elemento. Porque o Gonzaga Gomes não perdia tempo em «conversas fúteis». Por isso ele não frequentava os «mentideros» de Macau».
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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