Cronicas Macaenses

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Gastronomia Macaense: Chilicote com 2 receitas

foto do livro de gastronomia macaense de Cecília Jorge

CHILICOTE EM MEIA-LUA

de Cecília Jorge – série Tacho do Diabo – Revista Macau Junho 1994

(legenda: minchi = carne moída)

É raro encontrar um macaense que não conheça o chilicote, que não o tenha degustado, ou pelo menos ouvido falar deste acepipe, um dos muitos inspirados nas formas da Lua.

HAVERÁ, decerto, doutos estudos sobre a influência da Lua, ou seja, a força inspiradora que a sua aparente forma decrescente teve sobre os hábitos gastronómicos dos povos… Não tive ainda conhecimento de nenhum, mas o facto espicaça uma certa curiosidade, sobretudo enquanto se trinca gulosamente meia dúzia de chilicotes.

É sabido que na cozinha tradicional de muitos povos, acepipes há (bolos e pastéis) que se apresentam invariavelmente na forma de meia-lua. O conhecidíssimo e generalizado croissant, por exemplo, que se afirma ser de origem austríaca, embora   tenham sido os franceses a fazê-lo emigrar para quase todo o mundo, não só tem a forma do crescente da Lua como até o nome lhe tomou.

Na romântica (para os ocidentais) festividade chinesa da Lua, apenas simbólica entre os chineses, encontramos o chamado bolo lunar (üt–péng), retrato da lua-cheia, que o sentido prático dos macaenses levou a denominar de “bolo bate-pau”, pois que a sua massa, compactada e forçada para dentro de formas de madeira, é retirada à paulada de dentro delas. Vamos cingir-nos apenas a alguns exemplos dos que melhor conhecemos entre portugueses e chineses, para chegar a essa simbiose multiétnica que são os macaenses (onde será possível, embora já difícil, destrinçar os outros traços de goeses, malaios, siameses, etc.).

Entre doces e salgados, e ainda (o que é bastante comum entre as preciosidades da cozinha macaense) petiscos que não se podem classificar com tanta facilidade entre uns e outros, lembremos as formas de quarto crescente dos portuguesíssimos rissóis (de camarão, de berbigão, de lagosta, de pescada, de vitela), os kuok châi, frituras chinesas típicas da festividade do ano novo lunar, e finalmente o chilicote.

É raro encontrar um macaense que não conheça o chilicote, que o não tenha degustado, ou pelo menos ouvido falar dele. Entre os sobreviventes das gerações de 20, 30, 40, 50 e 60, seja em Macau, seja nas comunidades dispersas pelo mundo, poucos serão os que não o hajam já trincado pelo menos uma vez.

Porque se fala em chilicotes sempre que se mencionam os derivados (leia-se, as sobras) do minchi, o nosso bem-amado picadinho; porque não há “chá gordo”, por mais pobrezinho e singelo, que não inclua os ditos; e porque, hoje, nas ementas turísticas de um qualquer festival da gastronomia macaense na estranja, tal como ontem nas já perdidas, que não esquecidas, cestas de piquenique em Coloane, eles estão em destaque.

O segredo do chilicote está mais na massa, que se prefere estaladiça como num biscoito, do que no seu recheio, na chamada chincha, como se diz na língu maquista. Enquanto na massa todas as variantes apontam para a excelência do tipo abiscoitada e leve, de cor clara porque pouco frita, e muito bem escorrida do óleo ou azeite da fritura para não enjoar, no recheio, as versões estendem-se desde o aproveitamento de bocadinhos de caril de galinha à mistura com pedacinhos de nabo, ao minchi (de porco ou de vaca), com quadradinhos de batata. Constante é também a presença da cor amarelada do açafrão. Mas não se caia na tentação de equiparar o chilicote às chamuças indianas, pois que, embora de recheio semelhante, o chilicote não deve levar o picante das malaguetas.

Mas qual a origem do chilicote, ou pelo menos da sua curiosa designação? Sugere-nos Graciete Batalha, no seu Glossário do Dialecto Macaense. ser esta de origem malaia (como a maior parte das avós das mais antigas famílias macaenses). Porque, em malaio, chelis pode significar “cortar ou picar em bocadinhos”. Por curiosidade, um termo parecido, chilicate, o nome que se dava no antigo dialecto macaísta a uma espécie de alicate usado para moer a noz de areca (ou bétel, que as nossas bisavós mascavam), era também de origem malaia. E contudo, traços de semelhante frito na cozinha malaia são difíceis de encontrar. Em Macau, surgem parecenças evidentes do chilicote com os ká-lei kók (fritos de caril) servidos aos chineses nas muitas pastelarias, mas aí a explicação é mais plausível. Devem ter sido os ká-lei kók cantonenses a serem influenciados pelo chilicote, e a presença do refogado de cebola picada denuncia-o.

E que também nas Filipinas se encontra algo muito semelhante ao chilicote, dele diferindo apenas na riqueza do complicado recheio: as empanadas. Feitas da mesmíssima maneira, juntam ao minchi do recheio um picado e estrugido de bacon, frango, chouriço. ovos cozidos, molho de tomate, malaguetas e picles de pepino. A sua forma é, como é óbvio, em quarto crescente.

Embora tratando-se possivelmente de algo que há já muito era prato habitual na mesa macaense, em merendas, ou chás gordos, não se encontra o chilicote, quando se buscam referências aos acepipes e aos doces tradicionais macaístas (como os apabico, dodói, farte e aluar… por exemplo), nos textos e farsas em patoá, tantas vezes registo fiel do quotidiano e do passado macaense.

Parente pobre e inominado dos petiscos da lauta mesa? Seja como for, o chilicote vingou-se e é hoje referência obrigatória do macaense e um motivo de conversa, quando aparece servido num prato festivo… sem quaisquer conjecturas sobre os porquês da sua simbólica forma.

foto da Revista Macau – fotógrafo não informado

RECEITA DE CHILICOTE

Massa

farinha de trigo (com fermento) – 900 gr

ovos – 8 gemas, 2 claras

água – q.b. / a gosto

sal – q.b. / a gosto

banha de porco – q.b./a gosto

óleo ou azeite para fritar

Recheio

Minchi (carne moída) de porco com açafrão – q.b. / a gosto

Peneirar a farinha com um pouco de sal fino e amassar, sobre a mesa, com os ovos. Juntar a banha aos poucos e continuar a amassar até conseguir desligar a massa.

Deixar descansar durante meia hora. Estender a massa com um rolo, colocar coIherinhas de recheio em fileiras e dobrar a massa de forma a cobrir o recheio. Cortar com um corta-massas circular, ou com a borda de um copo para formar meias luas, humedecendo previamente as bordas de cada meia-lua com clara de ovo para fechar. Dar depois uma torcedela em todo o comprimento do chilicote. Fritar em banha, óleo ou azeite bem quente.

(Recheio: Para fazer o minchi, fritar uma cebola picada, em pouco óleo, deitar uma colher de chá de açafrão e logo a seguir 300 gramas de carne de porco picada, temperada com sal, pimenta e uma colher de chá de fécula de milho. Fritar até ficar seco e solto. Pode-se juntar pedacinhos de batata ou nabo ao minchi).

Chilicote-folhas (foto do livro de Gastronomia Macaense de Cecília Jorge)

CHILICOTE CUSCUS

Misturar a farinha de arroz com água e sal e levar a cozer ao lume num tacho, mexendo sempre com uma colher. Estando a massa  cozida, tirá-la do lume e amassá-la sobre a mesa com poucas gemas de ovos e muito pouco sal.

Estender a massa e recheá-la como na receita para chilicote, preferindo-se, no entanto, para o recheio, um minchi de porco simples, a que se junta uma colherinha de molho de balichão.

Colocar sobre folhas de bananeira e levar a cozer em vapor.

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

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O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.

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