Cronicas Macaenses

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“Quando Hong Kong foi bombardeada”, por Alda de Carvalho Ângelo ( 1 )

A escritora macaense Alda de Carvalho Ângelo no seu livro “Fragmentos do Oriente” nos conta a experiência vivida em Macau, na Segunda Guerra Mundial, com a invasão de Hong Kong pelos japoneses.  A narrativa foi dividida em duas partes, e a segunda constará de nova postagem.

QUANDO HONG-KONG FOI BOMBARDEADA (1ª parte)

por Alda de Carvalo Ângelo

O mapa da invasão de Hong-Kong

8 de dezembro de 1941. Data inesquecível para os pacíficos habitantes da pequena cidade de Macau, cidade de Nome de Deus, a mais longínqua colônia portuguesa, situada no Extremo Oriente, na província de Kwangtung, a 40 milhas sul de Hong-Kong.

8 de dezembro, dia dedicado a Nossa Senhora da Imaculada de Conceição, padroeira de Portugal. Mal amanhecia e já os sinos das igrejas repicavam festivamente, convidando os católicos para a Santa Missa. Era uma manhã um tanto nublada e fresca, como quase todas outras manhãs de outono. Os sinos repicavam e repicavam e as igrejas se enchiam de fiéis.

Nem bem tinha terminado a missa das sete e trinta e já se corria de boca em boca a extraordinária notícia:

— Hong-Kong foi bombardeada!!!

Inacreditável! Como era isso possível! Mas que temeridade! Atacar Hong-Kong! Atacar uma cidade tão bem fortificada!

Japoneses atrvssam ponte em direção a Hong Kong em 1941

Não paravam aqui os comentários. Em um mês, em uma semana, talvez menos, os invasores seriam liquidados. Vaticinavam os macaenses, O porto de Hong-Kong estava cheio de navios de guerra, os aviões preparados, as tropas a postos, os abrigos prontos a proteger a população civil!

Com estes e outros comentários tão otimistas, era de se prever um desenlace rápido e feliz para os aliados. Infelizmente, porém, tal não aconteceu.

Às nove horas, hora de início de trabalho dos funcionários públicos (quase todos os portugueses estabelecidos em Macau pertencem a essa categoria), como não podia deixar de ser, ninguém em absoluto estava disposto a seguir a rotina. Grupinhos, aqui e acolá, discutiam o grande acontecimento do dia, acontecimento esse que poderia e viria a ter grande repercussão sobre a pacata cidadezinha.

General Sakai entra formalmente em Hong Kong em Dezembro de 1941 com as tropas desfilando pelas ruas

Depois da ocupação, japoneses comemoram o “novo Hong Kong”.

Nas ruas, o movimento era intenso. De mercearia em mercearia, o povinho tentava açambarcar gêneros alimentícios, com receio de vê-los acabados, em conseqüência da guerra. Compravam tudo sem saber o que nem por que, tudo o que achavam conveniente para enfrentar uma guerra (pensavam) de dias ou de semanas! Discutiam entre si o que deveriam comprar mais ou melhor: uns sugeriam sardinhas enlatadas; outros, leite condensado; outros, bolacha… e cada qual fazia seu estoquezinho como melhor podia e achava, o que — diga-se de passagem — mal daria para lhes matar a fome se tivessem que depender só disso! Mas, era a primeira vez que uma guerra mundial vinha perturbar a santa paz em que viviam. Era sua primeira experiência, seu primeiro contato com uma guerra de verdade, tão perto de suas portas!

As primeiras notícias mais precisas chegavam com oito portugueses de Macau que tinham logrado escapar – eles tinham ido a Hong-Kong ou a negócios ou a passeios – escondidos num junco chinês que se dirigia a Macau a coberto da noite. Soubemos, então, que ninguém, ou quase ninguém, em Hong-Kong, suspeitava do que se estava acontecendo quando surgiram os primeiros aviões atacantes. Julgavam tratar-se de simples manobras (nessa época Hong-Kong era teatro de contínuos “black-outs” e exercícios). A população de Hong-Kong observava calmamente o movimento do vai-vem dos aviões lançando bombas em diversos pontos da cidade, fazendo os comentários costumeiros sobre exercícios. Até que. . . tiveram conhecimento da triste verdade : a cidade estava sendo bombardeada de verdade ! As bombas eram bombas! Mas, então, por que não levantaram vôo os aviões ingleses para dar combate? Triste desilusão! Em Hong-Kong, não havia, nesse momento, mais do que oito aviões, os restantes, assim como grande parte de navios de guerra, tinham sido enviados, na véspera, para Singapura onde se esperava toda a força do ataque. Até os abrigos não estavam em condições ! Assim, Hong-Kong não estava em situação de poder enfrentar uma guerra. Daí. o pânico geral.

Diariamente, esquadrilhas e esquadrilhas de aviões de ataque, a grande altitude, sobrevoavam Macau, carregados de bombas que iam despejar sobre Hong-Kong. O povinho de Macau, povinho simples e pacato, não perdia a calma, apesar de um tanto atordoado com a série de acontecimentos a que não estava habituado. Curioso que é, observava tudo o que se passava a sua volta. Por cima dos telhados e dos pontos altos da cidade, grupos de pessoas com binóculos voltados para o ar, seguiam os movimentos dos aviões, contavam-nos pelos dedos, discutiam acaloradamente as possibilidades de resistência de Hong-Kong. O nervosismo dos portugueses de Macau era, principalmente, devido a não saber qual a sorte dos parentes e amigos que moravam na vizinha colônia.

Tropas canadenses/canadianas combateram em Hong Kong ao lado dos ingleses

As tropas japonesas prenderam banqueiros ocidentais e os confinaram num albergue chinês

*Fotos de Wikipédia e do Google

**Veja outras postagens sobre o trabalho de Alda de Carvalho Ângelo:

Um pouco de história de Macau, por Dona Alda:

https://cronicasmacaenses.com/2012/03/15/fragmentos-do-oriente-conta-um-pouco-de-historia-de-macau/

Minchi: 4 receitas de Alda Carvalho Ângelo:

https://cronicasmacaenses.com/2012/03/08/minchi-4-receitas-da-alda-carvalho-angelo/

Alda de Cvalho Ângelo, seu livro, seu minchi:

https://cronicasmacaenses.com/2012/03/01/alda-de-carvalho-angelo-seu-livro-seu-minchi/

Um comentário em ““Quando Hong Kong foi bombardeada”, por Alda de Carvalho Ângelo ( 1 )

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

Sobre

O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.

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