Dando sequência à narrativa da escritora macaense radicada e falecida em São Paulo, Brasil, Alda de Carvalho Ângelo, casada com Amílcar Ângelo, onde escreveu e publicou o livro “Fragmentos do Oriente“, segue publicada a 2ª e última parte da sua vivência em Macau dos horrores da II Guerra Mundial, antes da sua emigração.
A postagem do dia anterior da 1ª parte está neste link: https://cronicasmacaenses.com/2012/09/24/quando-hong-kong-foi-bombardeada-por-alda-de-carvalho-angelo-1/
QUANDO HONG KONG FOI BOMBARDEADA – 2ª e última parte
por Alda de Carvalho Ângelo
Comandados pelo General Rensuke Isogai (foto), os japoneses estabeleceram o seu quartel-general no Peninsula Hotel em Kowloon
Uma semana de luta e a península de Kowloon caía nas mãos inimigas: palmo a palmo, os invasores penetravam no território inglês, combatendo nas ruas da cidade. Dez dias depois, a ilha de Hong-Kong se rendia… Atacado por ar e por mar, sem ajuda de navios ou de aviões, o exército local não pôde resistir à forte invasão japonesa.
Depois da rendição, os portugueses civis de Hong-Kong foram autorizados a embarcar para Macau e, nos primeiros dias de fevereiro, chegava o primeiro barco carregado de homens, mulheres e crianças, entre os quais muitos súditos ingleses.
Para o cais de vapor, no porto interior, acorria quase toda a população portuguesa de Macau para ver os infortunados amigos e parentes que acabavam de sofrer grandes perdas. Abraços em profusão, lágrimas, risos, todos falavam ao mesmo tempo: este tinha perdido a casa, os móveis, tudo; aquele vira morrer os seus sem nada poder fazer; aquele outro relatava o susto que apanhou, outro, do combate que tinha assistido; enfim, todos tinham qualquer coisa que contar! Houve até quem contasse que tivera sorte que fora ajudado pelos japoneses, que conseguira tudo salvar. Assim foi que ficamos conhecendo mais pormenores sobre a condição de Hong-Kong durante os dois meses que se passaram, não obstante algumas notícias terem sido contraditórias.
Soubemos, então, que grande número de tropas inglesas acantonadas em Hong-Kong foram enviadas para Singapura, tendo elas sido substituídas por tropas canadenses recentemente chegadas à colônia. E fora, justamente, no ponto onde se encontravam essas tropas, o ponto onde menos se esperava ser atacado que os invasores lançaram toda a força do ataque. Essas tropas canadenses foram apanhadas de surpresa e, como não conheciam a topografia da colônia, não puderam sequer fugir. Segundo consta, foi uma verdadeira carnificina. O ponto mais perigoso de Hong-Kong, o ponto mais vulnerável, estava sendo defendido por voluntários portugueses de Hong-Kong, habituados ao terreno, ao clima, mas, nesse ponto, não foi trocada uma única bala. Os voluntários foram surpreendidos pela retaguarda, tendo sido feitos prisioneiros e enviados para o campo de concentração de Sam-Shui-Poo. Os militares ficaram concentrados no campo de concentração de Stanley.
As tropas assalariadas chinesas traíram a defesa, usando as armas que lhes foram entregues, para assaltar casas e pessoas. Reinava a desordem e anarquia. Lojas inteirinhas eram saquedas, espalhando-se o terror. Parte das mercadorias saqueadas foi, mais tarde, levada para Macau e aí vendida a bom preço. Essa, uma das razões por que não houve escassez total de gêneros de primeira necessidade em Macau. Verdade seja que o governo local tomou todas as providências — as melhores possíveis — para que pudéssemos enfrentar os quatro anos de guerra com relativa comodidade.
Outro e outro barco carregado de refugiados chegava a Macau e, com ele, mais notícias sobre os horrores da guerra, das barbaridades perpetadas pelas tropas de ocupação, além dos roubos e crimes praticados pelos bandidos chineses. A vida no campo de concentração tornava-se dia a dia mais insuportável, a alimentação deficientíssima, a higiene deixando muito a desejar. Os ingleses, em geral, definhavam-se a olhos vistos, não conseguindo adaptar-se à triste situação a que chegaram. Os portugueses de Hong-Kong, conquanto sofressem também, aguentavam-se melhor, quer pela sua constituição resistente, quer por estarem mais habituados à vida árdua, ao clima, à comida… Muitos prisioneiros tentaram atravessar a linha da prisão, mas eram quase sempre mortos a tiros antes de conseguir seu desígnio ou, então, apanhados vivos, o que ainda era bem pior.
Macau, tendo sido o único ponto em todo o Extremo Oriente que conservava a neutralidade durante os quatro anos de guerra, era o foco para onde se convergiam os refugiados de todas outras nacionalidades, tornando-se, por assim dizer, o oásis, o paraíso procurado avidamente por todos — vencidos e vencedores. Por essa razão, encontrava-se superlotado. Não havia casas que chegassem para tanta gente! Os gêneros alimentícios, o aluguel… tudo aumentava de preço de um modo assustador! Para acomodar os inúmeros refugiados portugueses e ingleses vindos de Hong-Kong, vários prédios foram transformados em centros que vieram a chamar-se “Centro de Refugiados”. O Hotel Bela Vista, o clube de Macau, o clube Recreativo de Areia Preta, o clube de Beneficência, a Chácara de Leitão e até um barco, o “Sai On”, se transformaram em centros de refugiados.
Durante quatro anos, Macau acolhia indistintamente, abrigando em seu seio, em seus dez quilômetros quadrados de superfície, gente de toda classe, de toda nacionalidade…
O cruzador inglês HMS Swiftsure entra no Victoria Harbour passando por North Point em 30/Agosto/1945, após a derrota dos japonenses
* fotos da Wikipédia e do Google
** Postagens anteriores referentes a Alda de Carvalho Ângelo:
1) “Quando Hong Kong foi bombardeada”, por Alda de Carvalho Ângelo (parte 1):
2) Um pouco de história de Macau, por Dona Alda:
https://cronicasmacaenses.com/2012/03/15/fragmentos-do-oriente-conta-um-pouco-de-historia-de-macau/
3) Minchi: 4 receitas de Alda Carvalho Ângelo:
https://cronicasmacaenses.com/2012/03/08/minchi-4-receitas-da-alda-carvalho-angelo/
4) Alda de Carvalho Ângelo, seu livro, seu minchi:
https://cronicasmacaenses.com/2012/03/01/alda-de-carvalho-angelo-seu-livro-seu-minchi/
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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