Cronicas Macaenses

Blog-foto-magazine de Rogério P D Luz

‘Memórias da minha juventude’ no Hotel Estoril em Macau, recorda Manuel Basílio

Aspecto actual do edifício HOTEL ESTORIL, com a fachada voltada para a Praça de Tap Siac. O edifício mantém-se devoluto e sem qualquer uso durante várias décadas. Foto MV Basílio

MEMÓRIAS DA MINHA JUVENTUDE

Do Hotel Estoril

Texto, fotos e legendas de Manuel V. Basílio, Macau

Quando me lembro ou vejo o edifício do HOTEL ESTORIL, agora em estado de abandono, ressaltam-me uma série de recordações da minha juventude, pois foi ali que trabalhei, durante quase um ano, mesmo antes da abertura oficial daquele estabelecimento hoteleiro até deixar o emprego para prosseguir os meus estudos.

Quando comecei a trabalhar, na Secção de Contabilidade, o Hotel ainda estava em obras. Via, praticamente todos os dias, Teddy Yip, um dos administradores e accionistas da STDM (Sociedade de Jogos e Diversões de Macau), a verificar o andamento das obras do Hotel, visto que queria à viva força que os quartos do primeiro andar ficassem prontos para poder alojar os seus convidados e participantes às corridas do X Grande Prémio de Macau (*), que iam realizar-se nos dias 16 e 17 de Novembro.  Quando não via avanços significativos nos trabalhos em curso, ficava furioso e, aos berros, dava ordens ao encarregado para apressar as obras.

Teddy Yip, apesar de ser um indivíduo bastante impulsivo, tratava, porém, todas as pessoas com cordialidade e só ficava furioso quando as coisas não corriam conforme os seus desejos. Conseguiu o que desejava e, assim, uns dias antes daquele evento, via-se o pessoal de limpeza e do serviço de quartos em grande azáfama, limpando e arrumando vários quartos de hóspedes do primeiro andar, para que o número necessário de quartos, destinado ao alojamento dos seus hóspedes, estivesse pronto. Por isso, o Hotel começou a ser utilizado, mesmo sem a vistoria final ou parcial! Findo o Grande Prémio, já raramente se via Teddy Yip no Hotel, mas as obras continuaram a bom ritmo, pois pretendiam que ficassem concluídas no ano seguinte, antes do Ano Novo Lunar, para a inauguração oficial do Hotel que, no entanto, só ocorreu logo ao alvorecer do dia 17 de Fevereiro de 1964, já sob o auspicioso signo do Dragão, com a presença do Governador e entidades oficiais, a convite do anfitreão, Stanley Ho, administrador-delegado da STDM. A inauguração foi organizada a contra-relógio, tudo feito à pressa, e tal era a pressa que até esqueceram comprar as tesouras para a cerimónia de corte da fita. Como já era noite, estando as lojas já encerradas, tiveram mesmo que ir à pressa pedir tesouras emprestadas! E uma fita também!

O edifício do Hotel Estoril, visto da Praça de Tap Siac. O edifício original é o que tem um mural de mosaico. O bloco que está do lado direito foi construído posteriormente, na sequência da ampliação do Hotel, e que era conhecido por Ala Nova (New Wing). Foto MV Basílio

Durante o período antes e depois da conclusão do Hotel, via de vez em quando o autor do projecto, vindo expressamente de Hong Kong, para acompanhar a obra. Fiquei então a saber que era um arquitecto macaense, de nome Alfredo Victor Jorge Álvares, mais conhecido por Alfred Alvares (seu nome em inglês, ou simplesmente Al, como era tratado pelo Gerente), com o seu bigodinho bem aparado, então radicado em Hong Kong, onde exercia sua actividade profissional, tendo até desempenhado o cargo de presidente da “Hong Kong Society of Architects” (actualmente, “Hong Kong Institute of Architects”). Era um prestigiado arquitecto em Hong Kong, porquanto elaborava sobretudo projectos para vivendas de luxo, tal como a sua própria vivenda “Arrowhead”, em Deep Water Bay, que serviu de cenário para rodagem de diversos filmes, incluindo o romântico filme “Love is a Many Splendored Thing”.

Foi em Outubro de 1963 que, por recomendação do meu professor de Contabilidade, Edmundo de Senna Fernandes, fui contactado para ser entrevistado pelo designado Gerente do Hotel Estoril, Pedro Hyndman Lobo, que então era também Gerente da SAAM (Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau), cujo edifício da sede (já demolido) estava localizado no actual edifício do Hotel Metrópole. Foi ali que, pela primeira vez, apanhei um elevador, que me levou até ao piso onde estava o gabinete do Gerente. Depois da entrevista, a secretária do Gerente entregou-me um cartão para eu ir à Alfaiataria Domingos fazer o uniforme, um fato preto, de forma a poder, o mais breve possível, iniciar as minhas funções de Ajudante de Contabilidade. Entretanto, várias pessoas já tinham sido entrevistadas e outras seriam depois contratadas, o certo é que os primeiros empregados do Hotel Estoril, seleccionados para desempenharem funções nos principais sectores eram, na maioria, macaenses. Assim, os primeiros empregados, na Gerência e nas diversas Secções, foram:

GERÊNCIA DO HOTEL

Gerente: Pedro Hyndman Lobo

Sub-gerente: Guilherme Silva

SECÇÃO DE CONTABILIDADE

Chefe de Contabilidade: Ernesto Eusébio

Auxiliares de Contabilidade: Manuel Basílio e Américo Nogueira

SECÇÃO DE RECEPÇÃO

Chefe da Recepção: Maria Teresa Braga, mais conhecida por Zita

Recepcionistas-telefonistas: Filomena Drummond Gonçalves; Lúcia Guimarães e Olga Amarante

Recepcionistas do turno nocturno: Carlos Oliveira e Américo Ritchie

SECÇÃO DOS QUARTOS

Mordoma: Leonor do Rosário Leitão (Nonó, como era conhecida)

“Captain” dos Quartos: Lam Hing e Cheang Hing Yuen

RESTAURANTE E BAR

Gerente: Eduardo Silva, mais conhecido por Eddie Silva

Caixa: Rosa Ng, Teresa Choi e Margarida Batista

“Captain” do Restaurante e Bar: Chiu Seng Fun

Encarregada da Cozinha: Emília Barros

A porta principal do Hotel, com duas entradas: a do lado esquerdo, subia directamente para a Recepção do Hotel e, a do lado direito (não visível nesta foto, por causa do abrigo ou postalete da paragem de autocarros) dava acesso ao Casino. A estrutura arqueada, por baixo do mural, era a que chamavam “lâmina da guilhotina”, construída com esta configuração, por razões de “feng shui”. Foto MV Basílio

Quando o pessoal estava praticamente completo, deu-se então início a uma fase de formação, dentro de cada Secção, pois tudo era novo, e novo também o Hotel, construído de raíz, visto que o edifício onde estava situado o restaurante-bar e o salão de dança Clube Nocturno Sân Fá Yün foi demolido para se construir o novo edifício hoteleiro. O Hotel abriu por fases, de forma que o Restaurante e Bar, que ocupavam o último piso do novo edifício, só entraram em funcionamento no ano seguinte. Para promover o Restaurante, foi contratado para actuar à noite, durante o período de jantar, um conjunto musical, liderado pelo filipino Conrad Gregorio, tendo como cantora Mayanne, mais conhecida por Mariana entre os clientes, que entoava, com a sua linda e maviosa voz, canções em inglês dos anos 40 e 50, tais como de Patty Page ou de Connie Francis, bem como canções em mandarim em voga em Hong Kong ou, então, daqueles tempos em Xangai. Quando tinha que fazer serviço no período da noite e tinha que passar pelo Restaurante, mesmo antes de o elevador chegar ao piso do Restaurante, já podia ouvir a melodiosa voz da Mayanne. Uma das suas canções preferidas era “Fly me to the Moon”, na versão de Frank Sinatra, porquanto o nome original “In Other Words” fora alterado, talvez inspirado no Programa Apollo, que acabou por levar o ser humano à lua naquela mesma década.

O edifício do Hotel na junção entre a Avenida de Sidónio Pais e a Rua Filipe O´Costa. O bloco que se vê na esquina é a Ala Nova (New Wing), construído posteriormente, aquando da ampliação do Hotel. Foto MV Basílio

Uma experiência inolvidável

Embora tivesse trabalhado apenas durante menos de um ano no Hotel Estoril e cujo emprego me deu a oportunidade para amealhar o dinheiro que necessitava para prosseguir os meus estudos, esse período foi, para mim, uma experiência fantástica e inolvidável. Ali conheci diversos tipos de pessoas, não só “patrões” da companhia de jogos, como também ricaços, artistas de cinema e pessoas de diferentes estratos sociais, que regularmente frequentavam o casino, instalado no rés-do-chão do edifício hoteleiro, e até mesmo burlões.

Nunca me hei-de esquecer o dia em que vi um indivíduo, trajado informalmente, como um simples chinês, junto ao balcão, a ser atendido pela Zita, a chefe da Recepção, de forma tão atenciosa e sempre com sorriso nos lábios, repetindo quase incessantemente “yes, sir” ao hóspede. Quando aquele indivíduo se afastou, tive a curiosidade de perguntar à Zita quem era ele. Respondeu-me de imediato: “Então, não sabes que ele é o nosso grande patrão?” Afinal, aquele indivíduo, que falava de forma cordial e muito educada, era Henry Fok, o então accionista maioritário da STDM.

Penso que, dos jogadores mais ricos que naquela altura frequentavam o Casino, era um chinês residente em Hong Kong, porquanto a Recepção tinha ordens para reservar, em todos os fins-de-semana, um dos dois quartos de luxo, para aquele chinês, de nome Fung Mo Ying. Era um indivíduo já idoso, que vinha sempre acompanhado por um guarda-costas, que o ajudava a levar uma pasta de cabedal. Diziam que era dinheiro vivo que trazia para o jogo. Como era VIP, tinha tudo “Complimentary”, por isso nada se podia cobrar a ele, nem o alojamento, nem qualquer outra despesa que fazia durante a sua estadia no Hotel. Sempre que entrava um moço de recados do Hotel na Secção de Contabilidade, a pedir um adiantamento por conta do Sr. Fung, já sabia que era para ir ao restaurante Fat Siu Lau comprar dois borrachos assados, pois era o petisco que aquele VIP mais apreciava e que nunca dispensava, quando ficava hospedado no Hotel.

Conheci ainda vários outros assíduos frequentadores do Casino e um deles era o então Vice-Cônsul das Filipinas em Hong Kong, de apelido Legaspi. Vinha todos os fins-de-semana, como VIP, com a estadia “Complimentary” no Hotel, onde pernoitava um ou dois dias, mas quando a sorte lhe corria de feição, prolongava a sua estadia por mais uma noite, só regressando a Hong Kong na manhã seguinte. Sempre que o via entrar na Secção de Contabilidade e, afavelmente, cumprimentar-nos, tratando o meu Chefe por “Dom” Eusébio, sabia logo que esse dia lhe tinha sido azarento e que tinha perdido tudo, não lhe restando sequer um vintém na algibeira. Ficou, como costumamos dizer, “limpinho”. Como já era habitual, apenas pedia ao meu Chefe um adiantamento de cem dólares de Hong Kong e não mais do que essa quantia, pois dizia que era o suficiente para as despesas de regresso a Hong Kong e, assim, não iria jogar mais nesse dia. Depois de assinar o IOU e agradecer ao “Dom” Eusébio com um aperto de mão, retirava-se. No seguinte fim-de-semana, assim que chegava ao Hotel, ia ter com o “Dom” Eusébio, para liquidar o adiantamento e rasgar o IOU que tinha assinado na semana passada.

A parede pintada de branco era um portão. Do lado esquerdo, é o edifício original e, do lado direito, é a Ala Nova. Foto MV Basílio

Fortuna ou azar?

Os jogos nos casinos são designados por “Jogos de Fortuna ou Azar”. Sempre achei que o azar supera a fortuna quando se joga de forma continuada num casino, razão por que deixei mesmo de entrar num casino há mais de quarenta anos. Quando trabalhava no Hotel Estoril, apesar de não ser maior, pois nessa altura a maioridade só se atingia aos 21 anos, eu podia entrar no Casino por usar o uniforme do Hotel. Foi assim que tive conhecimento do caso de um jovem, que veio de Hong Kong num fim-de-semana, e depois de fazer o “check-in” na Recepção do Hotel, entrou no Casino e foi à banca do “Blackjack” tentar a sua fortuna. Em poucas horas, espalhou-se a notícia, dentro do edifício hoteleiro, de que aquele jovem estava a ganhar uma enorme fortuna. Como estava bafejado pela sorte, ganhava em quase todas as partidas. A sorte era-lhe tanta, que nem queria afastar-se da banca, e quando sentia fome, mandava trazer sanduíches e uma bebida, e ali comia e bebia, enquanto jogava. Os supervisores do Casino, chegaram a desconfiar se o jovem era algum trafulha, que estava a usar artimanhas para ganhar tanto dinheiro. Às tantas, por ordens superiores, passaram a recolher os baralhos de cartas usadas, e substituí-los, com frequência, por baralhos novos, a fim de obstar a qualquer prática fraudulenta por parte do jogador. Nem isso conseguiram travar a vaga de sorte do jovem jogador. Naquela noite, nem sequer foi ao quarto do Hotel, pois continuou sempre a jogar, sem dormir, até ao dia seguinte. Ganhou muito, mesmo muito dinheiro, e diziam até que nem a tesouraria do Casino dispunha de tanto dinheiro para o jovem jogador. Nestas circunstâncias, a gerência arranjou maneiras para convencer o jovem jogador a “depositar” o grosso dinheiro ganho na tesouraria do Casino, mediante um “comprovativo de depósito”, devidamente assinado, e a levar consigo para Hong Kong apenas uma parte do dinheiro ganho. Porém, a fortuna alcançada no jogo nem sempre é duradoira. Bem dizem os donos dos casinos que nunca ficam desesperados quando alguém ganha muito, desde que volte e, essencialmente, que volte mais vezes, para tentar a sorte. E é de facto. O jovem jogador regressou no fim-de-semana seguinte, mas desta vez não estava bafejado pela sorte. Foi perdendo e apostando cada vez mais forte, acabando por devolver ao casino tudo o que tinha ganho na semana passada. E assim, o azar desfez a fortuna.

A torre que está na extremidade do edifício foi acrescentada posteriormente. Era um elevador panorâmico que o empresário David Chow mandou construir, quando tomou de arrendamento uma parte do edifício. Foto MV Basílio

Os primeiros burlões estrangeiros?

Enquanto empregado do Hotel, tive o ensejo de conhecer vários hóspedes que eram frequentadores assíduos do Casino, quase todos VIPs, vindos de Hong Kong. Mas certo dia, apareceu um casal estrangeiro, salvo erro de nacionalidade americana, que se hospedou no Hotel durante vários dias. Visto que o casal não vinha como VIP, durante o “check-in”, teve que deixar um depósito em dinheiro, como mandam as regras. O homem sacou do bolso um maço de notas americanas e entregou à Recepcionista o correspondente valor de depósito. Em seguida, a mulher solicitou o aluguer de uma caixa de segurança para guardar as suas jóias e objectos de valor. Depois de tudo tratado, os dois retiraram-se e subiram de elevador para o quarto. Nos dias que se seguiram, quando o casal saía do elevador, ele dirigia-se para a porta do casino e ela ia, como era hábito, à Recepção pedir a abertura da caixa de segurança. Mexia e remexia, na presença da Recepcionista, as jóias e outros objectos, e por fim punha um colar que escolheu à volta do pescoço, trocava uma pulseira ou um relógio, e guardava novamente outras jóias na caixa de segurança. Este ritual repetiu-se durante a estadia de ambos. No dia anterior ao “check-out” do casal, vieram dois novos hóspedes, de nacionalidade americana, a fazerem o “check-in”. Os dois hospedaram-se no Hotel e passaram a frequentar com regularidade o Casino. Vieram depois mais uns companheiros. O jogo preferido deles era “Craps”, um dos jogos introduzidos pela nova concessionária, com vista à ocidentalização e diversificação das modalidades de jogos de fortuna ou azar. A princípio, aqueles dois jogadores animavam a mesa de jogo, ora ganhavam, ora perdiam e, de vez em quando, ia um deles à Recepção pedir para cambiar cheques de viagem. Este cenário durou uns dias até que começaram a ganhar, e a ganhar muitas vezes, fazendo uma invejável fortuna, a ponto de, naquela noite, terem de chamar o administrador Yip Hon, para se inteirar da situação e do motivo por que ganhavam com tanta “sorte” no lançamento de dados. Yip Hon, um conhecido especialista no jogo chinês de dados “cussec” (vulgarmente conhecido por “grande e pequeno” ou “clu-clu“), após minucosa observação e audição do som emitido pelos dados ao serem jogados, logo concluiu que estava perante uns burlões, jogando com dados viciados, sorrateiramente substituídos durante o jogo. Afastou-se e deu logo ordens para mandar vir a policia judiciária, a fim de os prender. Deveria ter sido este o primeiro caso de burla mais relevante, perpetrado por estrangeiros, na novel companhia de jogos. Entretanto, quando foram presos, o referido casal, tido por presumíveis “masterminds”, já tinha deixado Macau.

O mural de mosaico, no estado actual, está já bastante danificado, pois os desenhos, na parte superior (agora revestida de branco), já não existem, designadamente um passarinho, um pequeno ramo de folhas, um sol quadrado com rosto humano. Até o nome do autor, no canto inferior direito, também desapareceu.

Decadência do Hotel Estoril

A decadência do Hotel Estoril iniciou com a abertura do Hotel Lisboa, onde no dia 5 de Fevereiro de 1970, no alvorecer do Ano Novo Lunar, foi brindada a tradicional abertura de jogos, no Restaurante Portas do Sol. O casino do Hotel Estoril, porém, ainda se manteve em funcionamento até que fechou definitivamente em 1975, com a abertura do Casino da Pelota Basca.

Apesar de haver alguma oposição por parte da sociedade civil quanto à demolição do edifício, já foi noticiado, por diversas vezes, que o Governo vai mesmo avançar com o processo de demolição do Hotel Estoril para dar lugar à construção de um novo edifício, destinado a um centro de actividades para jovens, bem como ao conservatório de música, dança e teatro. O Governo considera que aquele edifício não tem valor arquitectónico ou artístico e, por conseguinte, não integra o importante património cultural de Macau, nem mesmo o mural de mosaico, da autoria do conhecido construtor e escultor italiano Oseo Acconci, que foi colocado na fachada, em finais de 1964, cuja obra, em vez de ser um amuleto sugerido por um geomante (isto é, um mestre do “feng shui”, ou fông sôi, em cantonense) para salvaguardar a fortuna do Casino, foi inspirada, conforme confidenciou o autor a vários amigos, na gíria cantonense “sü tou ch’êng kóng” ( 輸到清光 ) , ou seja, “perder até ficar limpinho” a favor do Casino, não restando sequer uma peça de roupa no corpo. Embora o mural tivesse sido colocado posteriormente, após a conclusão do edifício, já aquando da elaboração do projecto de construção, um geomante tinha sido consultado em questões de “feng shui”, de forma que, mesmo por cima das duas entradas (que, mais tarde, os chineses apodaram de “boca de tigre”), em vez de ser um lintel tradicional, existe uma estrutura com a configuração de lâmina de uma guilhotina, cujo intuito era “decapitar” qualquer jogador que por lá entrasse.

A Ala Nova em toda a extensão, voltada para a Rua Filipe O’Costa. Foto MV Basílio

Hoje em dia, quando se fala do Hotel Estoril, apenas pretendem referir o edifício, situado na Ave. de Sidónio Pais, esquecendo que o Hotel, por escassez de quartos, foi depois ampliado, tendo sido construído um novo edifício voltado para a Rua Filipe O’Costa, que passou a ser conhecido por “New Wing” (ou seja, a Ala Nova), e que depois, durante a década 70, se estabeleceram a Sauna e o Clube Nocturno Estoril, o Salão de Dança de Paris e, ainda, outros estabelecimentos comerciais. Se é para demolir e construir o referido centro de actividades para jovens, basta reaproveitar o terreno da Ala Nova do Hotel, que tem uma área bastante considerável. Há ainda um terreno, de menor área, junto à actual Escola Secundária Luso-Chinesa de Luís Gonzaga Gomes, que era um parque de diversões, com um ringue ou campo de patinagem, e que depois passou a ser utilizado como parque de estacionamento de viaturas. O edifício original, porém, da autoria de Alfred Alvares, pode ser requalificado para outros fins, designadamente para a instalação de um Museu de Jogos, a fim de divulgar a história de uma actividade tão característica e diversificada, mas pouco conhecida, cuja tradição vem subsistindo mesmo antes de o jogo Fantan ter sido pela primeira vez legalizado, durante o governo de Ferreira do Amaral, e que presentemente é a indústria que mais contribui para a economia de Macau.

Outro aspecto da Ala Nova. Foto MV Basílio

O Hotel Estoril, durante muitos anos, desde que ficou devoluto, não foi devidamente aproveitado, nem mesmo a partir de 2005, após o edifício ter sido transferido pelo IACM (Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais) para a Direcção dos Serviços de Finanças, continuando sem conservação e manutenção até presentemente e, por conseguinte, o edifício deteriorou-se drasticamente. Por ter sido o primeiro hotel-casino a ser construído de raiz pela nova concessionária de jogos de fortuna ou azar e por ter tido um período fulgurante da sua actividade, pois muitas memórias ainda se guardam, sobretudo do Restaurante, onde muitas festas, quer de baptizados, quer de casamentos, ali se realizaram, bem como celebrações, cerimónias oficiais ou particulares e outras actividades, o edifício original bem merece um tratamento condigno. As memórias são um legado que não se resume apenas ao valor arquitectónico ou artístico de um imóvel. Embora imateriais, há memórias que também merecem ser preservadas. (MV Basílio)

(*) Naquele ano, Arsénio “Dodgie” Laurel conseguiu, pela primeira vez na história do Grande Prémio de Macau, vencer a prova em dois anos consecutivos, ou seja, no IX , em 1962, e no X, em 1963. Porém, em 1967, Arsénio Laurel acabou por ser o primeiro corredor a sofrer um acidente mortal durante uma prova do Grande Prémio de Macau, tendo o seu Lotus 41, na terceira volta, embatido contra um mureto e incendiado. No X Grande Prémio de Macau, Teddy Yip conseguiu subir ao pódio, tendo alcançado um honroso 3º lugar.

  • Nossos agradecimentos ao Manuel Basílio por autorizar a publicação das suas memórias.

Edifício da Caixa Escolar, junto da Rua Filipe O’Costa e, atrás, do lado esquerdo, vê-se parcialmente o edifício do Hotel Estoril. Foto MV Basílio

As marcas que ainda são visíveis dos caracteres chineses “Oi Tou Châu Tim”. No entanto, a designação Hotel Estoril, cujas letras estavam colocadas no lado oposto, não deixaram marcas visíveis das respectivas letras. Foto MV Basílio

Naqueles velhos tempos …

O edifício original do Hotel Estoril, na altura em que estava em pleno funcionamento. (Foto baixada da internet)

Disposição das mesas no Restaurante do Hotel Estoril. Ao fundo, no canto do lado direito, era onde actuava o conjunto musical).

Edifício do restaurante-bar e o salão de dança Clube Nocturno Sân Fá Yün, que foi demolido para dar lugar à construção do Hotel Estoril. Do lado direito, pode-se ver o acesso pelo portão de ferro à piscina, bem como o espaço onde posteriormente foi construída a Ala Nova do Hotel. (Foto baixada da internet, do grupo Antigas Fotos de Macau)

A piscina municipal, inaugurada em 1952. Do lado esquerdo, pode-se ver o restaurante-bar e o salão de dança Clube Nocturno Sân Fá Yün, antes de ser demolido. Ao fundo, a Escola Central (Escola Primária Oficial). (Foto baixada da internet)

Imagens fornecidas por este blog

Folheto promocional do antigo Hotel Estoril

Cartão-postal do Hotel Estoril nos tempos da administração portuguesa de Macau

O Hotel Estoril que vi em 2010

Festa de casamento no Hotel Estoril

Festa de casamento do meu irmão José. À direita meu tio Edmundo Dias com a minha mãe Marcelina Dias da Luz (Rogério Luz)

Casamento do meu irmão José Luz com Fátima Ferreira, com Diamantino Ferreira no microfone e meu pai Álvaro Luz à direita . (Rogério Luz)

 

5 comentários em “‘Memórias da minha juventude’ no Hotel Estoril em Macau, recorda Manuel Basílio

  1. Pingback: Em Macau, o Bairro Tap Siac, um bairro de gratas recordações | Cronicas Macaenses

  2. MV Basilio
    08/01/2018

    Agradeço o seu comentário, pois é sempre bom recordar. Agradeço também ao Rogério por ter publicado as minhas recordações respeitantes ao Hotel Estoril, que estavam escritas e guardadas há já bastante tempo. Abraços

    • Também agradeço os seus bons artigos, Basílio, que são bem visuabilizados. Abraços, Rogério

      • MV Basilio
        09/01/2018

        A minha passagem pelo Hotel Estoril foi uma fase marcante na minha vida, de que guardo imensas memórias, só que nem tudo pode ser contado em público. Aos que apreciaram aquelas minhas breves memórias, reitero os meus agradecimentos. Abraços

  3. Tudo o que Manuel Basílio escreveu neste longo texto (mas interessante), também me veio à memória muitas facetas dos relatos aí referidos, pois eu conheci pessoalmente a maioria dos Macaenses aí identificados e não só…o “Pedrinho” Lobo era meu bom amigo, assim como a Alice Lemos; o Álvaro da Luz, Diamantino Ferreira, Carlos Assumpção e Delfino Ribeiro (na foto de casamento do José Luz com a Fátima Ferreira), foram pessoas que tiveram uma boa relação de amizade comigo; o Yip Hón foi meu patrão durante muitos anos na Cia de Corridas de Cavalos a Trote na Taipa, quando eu estive afastado da função pública, (ele se incompatibilizou com Stanley Ho sobre a gestão dos casinos e criou a corrida de cavalos a trote, tendo vendido as suas ações da STDM a uma grande empresa de imóveis de Hongkong…por umas boas centenas de milhões de Hongkong D$. Tenho uma boa recordação do irrascível Yip Hon, mas comigo, foi sempre amável e gostava imenso de ouvir (e contar histórias)…tratava-me familiarmente por “Chi Ká” (Giga) e muitos e “gostosos” cheques me ofereceu durante as minhas funções naquela companhia de cavalos, apesar de eu ter um alto salário mensal… Enfim, recordar coisas boas faz-me bem ao ego !!! Abraços Manuel Basílio e Rogério Luz.

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Rogério P. D. Luz, macaense-português de Macau, ex-território português na China, radicado no Brasil por mais de 40 anos. Autor dos sites Projecto Memória Macaense e ImagensDaLuz.

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O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.

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