Duas tradicionais procissões ainda realizadas em Macau, após a transição de soberania há 14 anos, a do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora de Fátima, fazem a comunidade católica, macaense e portuguesa respirar aliviada pela preservação. Até quando? Não se sabe, mas pelo “andar da carruagem” tem tudo para ir longe pelo bom senso que ainda reina a respeito. Até o título da reportagem no Jornal Tribuna de Macau espelha bem o sentimento e preocupação: “A tradição ainda é o que era“.
Em 2014, repetiu-se a tradição nos dias 8 e 9 de Março. A comunidade católica pode acompanhar a procissão no sábado com a ida da imagem de Nosso Senhor dos Passos à Sé Catedral. No domingo, com a participação de maior número de fiéis, a imagem retorna para a Igreja de Santo Agostinho. Para explicar este ritual, conta-se outrora que “quando esta estátua foi levada para a Sé Catedral pelas autoridades religiosas, ela, milagrosamente, retornou sózinha ao altar desta igreja, pelo que ainda hoje se realiza, anualmente, a Procissão do Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos no primeiro domingo da Quaresma“(Wikipedia).
A notícia publicada no Jornal Tribuna de Macau, edição de 10/03/2014:
A tradição ainda é o que era
por Sandra Lobo Pimentel
Um mar de gente e de fé invadiu as artérias centrais da cidade para mais uma procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos. A tradição católica mantém-se viva na comunidade local e prova que, com o passar dos anos desde a transição de soberania, pelo menos neste aspecto, ainda é o que era. Famílias representadas por várias gerações marcaram presença manifestando a mesma devoção. Este ano contou com uma novidade: o Grupo de Escuteiros Lusófonos de Macau participou oficialmente na procissão, numa colaboração com a Confraria do Bom Jesus dos Passos
A cerimónia católica começou na noite de sábado, quando a imagem do Senhor dos Passos carregando a cruz foi levada da Igreja de Santo Agostinho até à Sé Catedral. O percurso passou pelo Largo do Senado e pelo Largo da Sé, e a imagem ficou em vigília durante a noite.
Ontem foi levada de volta para a Igreja de Santo Agostinho, no dia que marca a maior adesão da comunidade católica que depois de almoço foi enchendo a Sé Catedral e as ruas em volta, à espera do repicar do sino da igreja para iniciar o percurso.
A tradição católica em Macau deu sinais de vigor, juntando largas centenas de fiéis para o momento de devoção. Já passava das 16 horas quando, num silêncio apenas rompido pelo sino da Igreja, a imagem do Bom Jesus dos Passos deixou a Sé Catedral para iniciar o percurso que passou pelo Largo do Senado e Igreja de São Domingos, merecendo a atenção e curiosidade de muitos turistas, a maioria, não sabendo o que se passava.
Na procissão, foi possível ver muitas famílias com várias gerações a participar, com forte presença da comunidade macaense, mas não só. A comunidade filipina, tradicionalmente católica e bastante devota, também foi presença notada.
A procissão demorou cerca de duas horas, parando em frente à Igreja de São Domingos para um momento de oração, misturando a comoção de uns, com a curiosidade de outros, no caso, turistas, que iam tirando várias fotos do acontecimento.
Este ano, a Confraria do Bom Jesus dos Passos contou com a colaboração do Grupo de Escuteiros Lusófonos de Macau (GELMAC), sendo a primeira vez que participam na procissão oficialmente.
“Temos colaborado com a Paróquia em algumas iniciativas, mas como não temos muitos elementos, não temos feito parte da procissão propriamente dita, apesar de participarmos sempre”, disse ao JTM Nelson António, chefe do agrupamento do GELMAC.
A participação levou a que este ano marcassem presença de forma organizada. “Voluntariámo-nos para fazermos as aulas e fazer a procissão”. Sobre a preparação, o chefe do agrupamento revelou que já dura “há alguns meses”, contando apenas com os escuteiros mais velhos. “Temos as duas secções mais velhas, exploradores e pioneiros, dos 10 aos 18 anos, e os adultos, os chefes, que também estamos a colaborar. Excluímos apenas os mais pequeninos, dos seis aos nove anos”.
O GELMAC esteve à porta da Sé Catedral à espera que o andor saísse para então os escuteiros cumprirem o seu papel. “A nossa função, essencialmente, é fazer o acompanhamento para não deixar que haja algum distúrbio ou que alguém prejudique o normal andamento do andor e dos acompanhantes do andor”, explicou Nelson António.
Perante mais uma demonstração de fé da comunidade católica local, a tradição parece manter-se, sendo esperada mais uma enchente no próximo ano, para mais uma procissão.
Fotografias de/photos by Manuel Cardoso (Macau)
Versos de José dos Santos Ferreira “Adé” em patuá – dialeto de Macau – do livro Macau Jardim Abençoado
1 – A procissão no sábado da ida da imagem do Senhor dos Passos da Igreja de Santo Agostinho para a Sé Catedral
2 – Procissão do retorno do Senhor dos Passos da Sé Catedral para a Igreja de Santo Agostinho no domingo
Hoze na Macau, tánto gente cristám, / Inchido di respêto, / Co piedade na coraçám, / Lôgo sai di casa vai drêto / Pa nôsso greza di Sé; / Bezá pê di Jesus co fé.
Cavá uví sermám, / Fazê penitência, reza, / Tudo alma cristám / Lôgo vai adro isperá, / Co devoçám, co fervôr, / Sinhôr-Passo na Su andôr
Jesus quelora passá, / Tudo criatura qui têm na travéssa, / Lôgo azinha ajoeliá, / Co respêto bassá cabéça. / Sã Jesus qui ta caminhá, / Su cruz pesado ta cartá.
Na cabéça têm coroa di ispinho, / Na cintura têm corda marado; / Pê discalço pisá caminho, / Co rosto di sángui banhado. / Sã nôsso mánso Jesus / Qui ta subí Calvário co Su cruz.
Verónica na diánti di andôr. / Lô chomá mundo respondê / Si têm dôr más grándi qui dôr / Qui nôsso Jesus tá sofrê. / “Vosôtro qui têm aqui, olá, / Filo di Dios ta churá!”
Vagar-vagar, passo-a-passo, / Gente inchido di devoçám, / Lô companhá nôsso Sinhôr-Passo / Na Su respetado procissám. / Bom Jesus, Misericordioso, / Têm ali, co coraçám amoroso.
Povo sai voz ta pedí / Misericórdia co Sinhôr. / Qui-foi Jesus nádi uví, / Si coraçám ta inchido di amôr? Masquí onçôm ta padecê, / Ele lô cudí quim merecê.
Cavá segui tudo caminho, / Gente di Macau cristám / Lô vai greza Sant’Agostinho / Pa ramatá su oraçám. / Jesus têm ali pa uví / Quim co humildádi sabe pedi.
Vêm-cá nós, humilde, falá / Co Filo di Dios, Bom Jesus: / “Nôs querê ajudá Vós cartá / Vôsso quelê pesado cruz; / Nôsso pecado fazê Vôs sofrê, / Pa nôsso salvaçám Vôs morê!”
Pôde-sã qui Sinhôr lô querê Livrá nôsso Macau margurado / Di nómi di Su Pai perdê, / Pa vivo n’unga mundo transtornado. / Vêm-cá nôs co devoçám pedi. / “Jesus Misericordioso, cudí”.
* Banda da Polícia: conforme esclarecimento recebido, a Banda da PSP (Polícia de Segurança Pública) participou da 1ª procissão no sábado, porém a ausência estranhada no domingo foi devido a uma festa da corporação que impediu a sua participação. Deixemos assim de lado as preocupações com uma mudança de atitudes governamentais.
A HISTÓRIA DE NOSSO SENHOR DOS PASSOS (Wikipedia)
Nosso Senhor dos Passos é uma invocação de Jesus Cristo e uma devoção especial na Igreja Católica a ele dirigida, que faz memória ao trajeto percorrido por Jesus Cristo desde sua condenação à morte no pretório até o seu sepultamento, após ter sido crucificado no Calvário.
A história desta devoção remonta à Idade Média, quando os cruzados visitavam os locais sagrados de Jerusalém por onde andou Jesus a caminho do martírio, e quiseram depois reproduzir espiritualmente este caminho quando voltaram à Europa sob forma de dramas sacros e procissões, ciclos de meditação, ou estabelecendo capelas especiais nos templos.
No século XVI se fixaram 14 momentos principais deste trajeto, embora o número tenha variado na história do catolicismo de sete a 39. Estes pontos principais são chamados de as estações ou os passos da Paixão de Cristo ao longo da Via Sacra ou Via Crucis. São eles:
I. Jesus é condenado à morte
II. Jesus carrega a cruz às costas
III. Jesus cai pela primeira vez
IV. Jesus encontra a sua Mãe
V. Simão Cirineu ajuda Jesus a carregar a cruz
VI. Verônica limpa o rosto de Jesus
VII. Jesus cai pela segunda vez
VIII. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
IX. Terceira queda de Jesus
X. Jesus é despojado de suas vestes
XI Jesus é pregado na cruz
XII. Morte de Jesus na cruz
XIII. Descida do corpo de Jesus da cruz
XIV. Sepultamento de Jesus
Esta invocação se tornou muito popular em alguns países como Portugal e Brasil, dando origem a rica iconografia e onde existem inúmeras igrejas fundadas sob sua proteção, e na Quaresma são realizadas procissões especiais chamadas de Procissão dos Passos ou Procissão do Encontro .
Nosso Senhor dos Passos no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Minas Gerais, Brasil Obra do Aleijadinho. Foto: Rogério P.D. Luz
* veja postagem deste blog sobre a procissão em 2013 com fotos antigas:
Rogério P D Luz, amante de fotografia, residente em São Paulo, Brasil. Natural de Macau (ex-território português na China) e autor do site Projecto Memória Macaense e o site Imagens DaLuz/Velocidade.
Memória - Bandeira do Leal Senado - para nunca ser esquecida -CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS DE MACAU, NÃO HÁ OUTRA MAIS LEAL- Esta é a antiga bandeira da cidade de Macau do tempo dos portugueses, e que foi substituída após a devolução para a China em Dezembro de 1999
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau (ex-território português na China por cerca de 440 anos e devolvida em 20/12/1999) sua história e sua gente.
Macaense – genericamente, a gente de Macau, nativa ou oriunda dos falantes da língua portuguesa, ou de outras origens, vivências e formação que assim se consideram e classificados como tal.
*Autoria de Rogério P.D. Luz,, macaense natural de Macau e residente no Brasil há mais de 40 anos.
Escrita: língua portuguesa mista do Brasil e de Portugal conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
cartaz de Ung Vai Meng
O tema do blog é genérico e fala do Brasil, São Paulo, o mundo, e Macau - ex-colônia portuguesa no Sul da China por cerca de 440 anos e devolvida para a China em 20/12/1999, sua história e sua gente.
Escrita: língua portuguesa escrita/falada no Brasil, mas também mistura e publica o português escrito/falado em Portugal, conforme a postagem, e nem sempre de acordo com a nova ortografia, desculpando-se pelos erros gramaticais.
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Outros tempos outras gentes…. E agora com a maioria comodistas…….e sem o rufar dos tambores da saudosa banda da PSP os acompanhantes já não saberão acompanhar a procissão….E com um bom número de acompanhantes filpnos(trabalhadores e profissionais dos casinos que labutam em Macau……
Assim já não é o que era antigamente ou até mesmo na última procissão como dizia a jornalista do jornal tribuna de Macau agora infelizmente porque antigamente os(a maioria) dos acompanhantes andavam ou acompanhavam ao som dorufar dos tambores da BANDA DA PSP presente, agora apenas com escuteiros(estudantes sem qualquer tambor já é outra coisa mesmo…sem piada mesmo….
Pela primeira vez que a banda da PSP não compareceu à procissão, é mesmo um mau princípio.Porque? Não houve aviso nem comunicação qualquer!